quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O que é um santo

Os homens e as mulheres que a Igreja Católica chama de “santos” são milhares, mais de vinte e sete mil, como afirma René Fullop Muller, em seu livro “Os Santos que abalaram o mundo”. São de todas as condições de vida, raças, cores, culturas, países, etc. Porém, uma coisa é comum a todos: eles foram heroicamente bons; basta analisar a vida deles. 
A santidade é basicamente a estreita união do homem com Deus; desse contato resulta a perfeição moral. Deus é santo por natureza; os homens são santos na medida em que se aproximam d’Ele. 


No céu todos os bem-aventurados estão intimamente unidos a Deus pela visão imediata d’Ele. Isso é chamado de “visão beatífica”. Todos os que estão no céu atingiram a santidade perfeita. Aqui na terra os homens são unidos a Deus por meio da graça divina. Essa graça é um dom, livremente dado por Ele, por meio do qual nos tornamos “participantes da natureza divina”, como São Pedro afirma (cf. 2 Pd 1, 4). Quanto mais graça um homem tem, tanto mais semelhante a Deus se torna. 
Um santo canonizado foi alguém que na terra praticou a bondade heróica em todas as suas ações. Um homem ou uma mulher não é canonizado por ter uma só virtude. Não é suficiente que ele não tenha faltas salientes. Mesmo uma pequena fraqueza é uma grande falta num santo. Um santo tem um controle perfeito de todas as virtudes. O santo não faz da sua vida espetáculo. Começa pelas virtudes sólidas, comuns da vida cristã, e depois as desenvolve até um grau extraordinário. São Vicente de Paulo costumava dizer que “um cristão não deveria fazer coisas extraordinárias, mas sim fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias”. 
Os seres humanos chegam à santidade travando uma árdua batalha com eles mesmos, com a carne e com o demônio. Partem do triste estado da nossa fraqueza comum, porém, antes de morrerem, atingem a santidade pela graça de Deus. E isso é possível a todos os batizados. Muitos santos não foram tão santos antes de se colocarem nesse caminho. Santo Agostinho assombrou o mundo pela sua “Confissão”, obra que fala como ele fora na sua mocidade, um moço desajuizado que viveu as suas farras na África e na Europa até se converter. Era amasiado e tinha um filho (Adeodato) antes de se converter aos 33 anos. 
Um santo vence a fraqueza. Por isso, a Igreja Católica não hesita em examinar no processo de beatificação minuciosamente tudo o que um santo fez. Santo Tomás de Aquino nasceu aristocrata e se tornou professor numa universidade. A sua característica era a simplicidade e a humildade em investigar a verdade como um dos mais profundos intelectuais de todos os tempos. Era santo. Em cada santo encontramos uma singularidade. 
Os santos não foram pessoas raras e especiais que viveram numa só terra ou numa só época particular. Pertencem a todas as épocas e a todas as nacionalidades. São Policarpo, natural da Ásia Menor, viveu no século II; já São Pio X foi um italiano e um Papa do século XX. E os quatro homens que são chamados os Padres do Ocidente, a saber: Santo Agostinho, São Jerônimo, Santo Ambrósio e São Gregório Magno, eram respectivamente da África do Norte, da antiga Iugoslávia e da Itália, e viveram entre os séculos quarto e sexto. Santa Francisca Cabrini era uma freira italiana que fundou hospitais em Nova York e em Chicago. Houve mártires em Nagassaki, no Japão, e padres na Rússia, que foram declarados santos pela Igreja Católica. 
O que talvez seja mais surpreendente é a enorme variedade de personalidades entre esses santos. Eram reis e rainhas; sapateiros e agricultores; sacerdotes, bispos, freiras; soldados; juristas; professores; donas-de-casa e mulheres profissionais, que se elevaram às alturas da santidade. Nenhuma classe tem o monopólio da santidade, embora talvez bispos e religiosos, por força da sua profissão, tenham mais freqüentemente chegado à santidade. 




por Felipe Aquino

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Basta-te minha graça

Fernanda Moreno 
Caro leitor gostaria de iniciar esse artigo orando com a letra da seguinte música: “O amor me faz compreender que me basta o que vem de meu Deus, a graça que me sustenta vem do Espírito de Deus”. O que fazer quando não conseguimos mais? Como reagir diante dos fracassados propósitos que fazemos para mudar, amar, sermos santos, fiéis a Deus, a vocação, ao nosso estado de vida, oração, família, profissão... É desanimador ver que as forças, desejos, motivações e intenções tão firmes de outrora falham e que caímos inúmeras vezes nas mesmas imperfeições e pecados que dávamos até por vencidos. O que será de nós? O que será de mim? Como disse o Senhor a Paulo: “Basta-te minha graça”. Deus é quem dá a Palavra. Jesus é o grande Rei, o Pastor, o Salvador e o Pai colocou tudo em suas mãos. A graça que recebemos não é em vão! 

Lembremos do caminho dos discípulos de Emaús, a sua desilusão, o vazio interior, acreditaram no seu Mestre e de repente viram tudo aparentemente acabado durante aqueles três dias. O profeta que ia liberar Israel havia morrido. Como não estavam aqueles corações? O deserto interior que viviam, como não deviam estar sem chão. Os discípulos sem o Mestre. Ovelhas sem pastor. Mas muitas vezes em nossa vida espiritual passamos e vamos passar por isso. Porque esse caminho no qual precisaremos lembrar das promessas de Deus para não desfalecermos. Algumas vezes Jesus precisará prosseguir um pouco (Lc 24, 28) para que do nosso coração brote a linda, profunda e por vezes dolorosa frase: “Fica conosco Senhor, porque a tarde está caindo e o dia já começa a declinar.” (24,29) Fica comigo Senhor, porque sem a tua graça nada posso, nem levanto, nem me deito, nem respiro. As quedas já são certas pela nossa pobre condição, porém muito mais certa é a mão do Senhor para nos socorrer, pois a mão de Deus não é curta para nos salvar. Sempre, sempre temos uma chance! Esquecemos facilmente que Deus está conosco e não deixa que as trevas apaguem a caridade em nós. Quanto mais dependentes de Seu amor mais felizes, porque ninguém melhor do que o Senhor para cuidar de nós. Quantas vezes não sabemos como fazer, não entendemos, mas o Senhor sabe tudo. A Sua misericórdia é penetrante, o seu amor é uma potência capaz de renovar, ressuscitar tudo o que está morto em nós. A cada dia tantos homem tenta aniquilar Deus, no hedonismo e na superficialidade das coisas, mas a realidade é: o amor nobre do Senhor nunca falha. Ao contrário do que muitos pensam os mandamentos longe de escravizar e matar nos fazem viver porque “a glória de Deus é o homem vivo.” (Santo Irineu). Aproveitemos das nossas quedas para crescer no amor. Ressuscitemos. Sejamos inteligentes em não nos deixarmos esmagar pelo peso dos nossos pecados, sejamos filhos, não escravos. Como filho podemos gritar: “Fica comigo!” Qual o pai que resiste ao pedido humilde de um filho frágil e doente. “Tendo pois um Sumo Sacerdote eminente que atravessou os céus, Jesus, o filho de Deus, permaneçamos firmes na confissão da fé. De fato, nós não temos um Sumo Sacerdote incapaz de compadecer-se das nossas fraquezas, a nossa semelhança, Ele foi provado em tudo, sem todavia pecar.” (Heb 4, 14-16). Eis o tempo favorável, tempo de amar, de amar na gratuidade, de amar na dor, de amar por amar, de amar e se levantar, de recomeçar, deixando de ser herói mas desejando ser santo. O santo cai e levanta, mas o orgulhoso não porque mesmo caído não admite que caiu. Deixemos que a força de Deus que tudo pode, possa através dessa profunda oração do Pe. Pio tornar o nosso coração dócil a presença amorosa do Senhor em nós. Oração do Santo Pe. Pio após a comunhão Fica comigo, Senhor, porque preciso de tua presença para não te esquecer. Sabes com que facilidade posso abandonar-te. Fica comigo, Senhor, porque sou fraco e preciso de tua presença e tua força, para não cair e pecar tantas vezes. Fica comigo, Senhor, para não cair e pecar tantas vezes. Fica comigo, Senhor, porque és minha luz e sem ti somente vejo escuridão. Fica comigo, Senhor, para me dares a conhecer a tua vontade. Fica comigo, Senhor, para que eu ouça a tua voz e te siga. Fica comigo Senhor, pois desejo amar-te muito e estarei sempre em tua companhia. Fica comigo, Senhor, porque, embora minha alma seja tão pobre, quero que ela seja um ninho de amor, um lugar em que encontres consolo. Fica comigo, Jesus, esta noite, pois a vida tem muitos perigos. Preciso de ti. Deixa que eu te conheça como teus discípulos fizeram no momento em que partiram o pão, para que a comunhão eucarística seja a luz que dissipa as trevas, a força que me sustenta, a única e maior alegria do meu coração. Fica comigo, Senhor, porque na hora de minha morte quero unir-me a ti, se não pela comunhão, pelo menos pela graça e pelo amor Fica comigo, Senhor, pois é só a ti que procuro, teu Espírito, porque te amo e meu único desejo é amar-te cada vez mais. Quero amar-te com todo o meu coração enquanto estiver na terra e continuar a amar-te com mais perfeição durante toda a eternidade. Amém.

Fonte: comshalom.

domingo, 20 de novembro de 2011

Vencendo a tibieza



Josefa Alves Em alguns períodos da nossa vida, podemos detectar em nós alguns dos sintomas da tibieza: a frieza, a apatia, o desânimo, a insatisfação com Deus e conosco mesmo, a falta de estímulos para a oração diária, e até mesmo a falta de forças para decidir por algo ou desistir de alguma coisa. Se sofremos deste mal, há esperança para nós e o remédio é infalível: precisamos de um novo, belo e santo Pentecostes!É preciso, em primeiro lugar, tomar consciência da nossa condição de necessitados de uma renovação constante do Espírito Santo em nossa vida. O clamor constante e a abertura necessária à ação da graça farão de nós homens e mulheres fervorosos, capacitados pelo Espírito a transbordar no mundo o amor infinito de Deus.


Uma alma tíbia é uma alma morna, fraca, preguiçosa, desanimada e sem fervor. Esta “doença” traz sérias conseqüências, não só à nossa vida espiritual, mas a todas as realidades da nossa existência. Ela é conseqüência do pecado e desenvolve-se com facilidade nas almas que não são muito amigas das renúncias, sacrifícios e orações. Mas pouco adianta dizer, simplesmente, que é preciso aplicar à doença da tibieza o remédio do fervor. Seria como dizer a um doente que o remédio para ele é a saúde, ignorando que este é o seu problema: a falta de saúde.O único remédio contra a tibieza é o Espírito Santo, porque não existe verdadeiro fervor se não for inflamado pelo fogo do Espírito. O pecado endurece o coração e torna a pessoa indiferente a Deus. O Espírito nos aponta as raízes do pecado, fortalece-nos para a batalha, fecunda em nós os seus dons, purifica-nos, aquece e inflama o nosso ser.O Espírito Santo não se contenta em purificar-nos do pecado, mas prolonga a sua ação em nós até nos fazer “fervorosos no Espírito”. Comporta-se em nós como o fogo quando se apega à lenha úmida: primeiro a expurga, arrancando-lhe com barulho todas as impurezas, depois a inflama progressivamente, até que se torne toda incandescente e ela mesma se transforme em fogo. Ele, que faz novas todas as coisas, quer fazer fervorosos os homens tíbios.Concretamente, isto quer dizer que o Espírito Santo nos preserva de cair na tibieza, e se por acaso já nos encontrarmos neste estado, livra-nos dela. É impossível sair da tibieza sem uma intervenção decisiva do Espírito; se tentarmos fazê-lo mergulharemos ainda mais no pecado do orgulho.Olhemos para os apóstolos antes de Pentecostes: eram tíbios, incapazes de vigiar uma hora, discutiam sempre sobre quem seria o maior, ficavam espantados diante de qualquer ameaça. Depois que o Espírito veio sobre eles como línguas de fogo, tornaram-se a imagem viva do zelo, do fervor e da coragem. Fervorosos no pregar, no louvar a Deus, no fundar e organizar as Igrejas e, enfim, no sacrificar a vida por Cristo.Cirilo de Jerusalém escreve: “Os apóstolos receberam o fogo que queima os espinhos dos pecados e dá esplendor à alma”, e um escritor medieval escreve: “O Paráclito que, em línguas de fogo, desceu sobre os apóstolos e os discípulos, desce também sobre nós como fogo: para queimar e destruir a culpa, para purificar a natureza, para consolidar e aperfeiçoar a graça, para expulsar a preguiça de nossa tibieza e acender em nós o fervor do seu amor” (Hermann de Runa, Sermões Festivos, 31).

Muitos santos passaram por um longo período de tibieza, mas nenhum deles foi santo sem ter sido encharcado, queimado, transformado pelo poder e ação viva do Espírito Santo.
“Passei nesse mar tempestuoso quase vinte anos, ora caindo ora levantando. Mas levantava-me mal, pois tornava a cair. Tinha tão pouca perfeição que, por assim dizer, nenhuma conta fazia de pecados veniais. Se temia os mortais não era a ponto de me afastar dos perigos. Sei dizer que é uma das vidas mais penosas que se possa imaginar. Nem me alegrava em Deus, nem achava felicidade no mundo. Em meio aos contentamentos mundanos, a lembrança do que devia a Deus me atormentava. Quando estava com Deus, perturbavam-me as afeições do mundo” (Santa Teresa de Jesus, Vida, 8,2).
Quando invocamos o Espírito, clamamos: “Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor”, e ainda: “Aquece o que está frio”. Às vezes este clamor também é frio, porque fria é a nossa esperança. Em Ezequiel 37 temos outra imagem clara de um povo tíbio: “nossos ossos estão secos, nossa esperança está morta”, mas é a poderosa ação do Espírito Santo que faz estes ossos secos retornarem à vida.
Com o auxílio da graça, portanto, é possível sair da tibieza e passarmos da condição de frios e temerosos a fervorosos no Espírito!
 


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Edith Stein e a Ciência da Cruz

A Igreja aponta como exemplo uma mulher que achava injusto produzir filosofia e fechar os olhos à miséria.A canonização de Edith Stein, no dia 11 de outubro de 1998, como todo ato solene da Igreja ao declarar a santidade de uma pessoa, apresentou-a como modelo de vida. Santa Teresa Benedita da Cruz - nome que Edith Stein adotou ao entrar no Carmelo - buscou no recolhimento interior a fonte de um dinamismo avassalador que a levou a uma produção de mais de mil e quinhentas páginas impressas, numa das quais declarou: "quanto mais profundamente alguém é atraído para Deus, tanto mais intensamente deve 'sair de si' para irradiar ao mundo vida divina".Nascida em 12 de outubro de 1891, Edith Stein foi a sétima filha de um casal de judeus piedosos habitantes de um gueto na cidade de Breslau (hoje Wroclaw, no sudoeste da Polônia). Seu pai morreu em uma viagem de negócios quando ela tinha apenas três anos, o que fez sua mãe assumir o comércio familiar de madeiras. Com o amadurecimento nos estudos, especialmente da filosofia, irá se desligando da religião: "a sede da verdade era minha única prece".Em Göttingen, reúne-se ao grupo da fenomenologia de Husserl, de que faziam parte Dietricht von Hildebrand e Max Scheler. Dedica-se com empenho às pesquisas acadêmicas até que em agosto de 1914 interrompe os estudos e ingressa na Cruz Vermelha para colaborar no cuidado das vítimas da primeira Guerra Mundial.Husserl a convida para ir a Friburgo organizar os seu manuscritos em 1916. Edith Stein doutora-se no ano seguinte. Mulher sóbria, mas com muitos amigos, como os Conrad-Martius, na casa dos quais passa uma temporada para descansar um pouco. Era uma residência de férias na Baviera. Numa noite de insônia, procura um livro e toma nas mãos uma obra de Santa Teresa de Jesus, o Livro da Vida, que é uma narração clássica, na verdade um convite que em certas passagens adquire um tom de intimação carinhosa para que a alma entre por caminhos de oração.No dia seguinte providencia um missal e um catecismo que estudará cuidadosamente. Dias depois, assiste à Santa Missa e pede ao pároco que lhe administre o batismo. Após ter sido advertida de que é necessária uma preparação prévia - a catequese - Edith pede que ele a interrogue. Admirado com os conhecimentos da jovem, o sacerdote marca a data do batismo para o dia 1º de janeiro de 1922, e ela escolhe o nome cristão de Teresa.A conversão de membros de famílias hebraicas provoca uma mudança de vida. Edith Stein não ignora a profundidade das conseqüências de sua atitude, mas faz questão de contar para a mãe a sua opção. Cai de joelhos à sua frente e diz: "Mamãe, eu sou católica". Anos mais tarde recorda que foi a primeira vez que a viu chorar. Carinhosa e filial, permanece em Breslau seis meses acompanhando a mãe e freqüentando com ela a sinagoga. Não há como negar os fatos, e a anciã deixa-se impressionar: "Eu nunca vi ninguém rezar como Edith".Após doze anos de espera, ingressa no Carmelo em 15 de outubro de 1933. Nos intervalos entre as atividades do convento, escreve muitas obras, como o livro Ser finito e ser eterno, um tratado sobre o homem e Deus em que se ocupa da Einfühlung, ou empatia, tema próprio da fenomenologia. A empatia para ela é uma das várias possibilidades de encontrar o outro e viver em uma comunidade. Na sua opinião é injusto produzir filosofia e manter-se alheio à miséria e às mortes do mundo. Para fugir do nazismo dirige-se, sob ordens de suas superioras, a um carmelo em Echt, na Holanda, onde aprenderá seu sétimo idioma, o holandês.Para a fenomenologia, o aparecer dos conceitos na mente, a intuição, a experiência vital são temas centrais. Como o valor de uma doutrina se mede pela sua potencialidade de ser encarnada em pessoas, o valor da obra de Edith é significativo - seu último livro, A ciência da cruz, foi uma espécie de antevisão do que aconteceria com ela.No dia 2 de agosto de 1942 os oficiais nazistas buscaram-na no parlatório do convento. Em sua última carta às monjas diria: "A ciência da cruz não se pode adquirir sem que ela nos pese realmente sobre os ombros. Desde o primeiro instante eu estava convencida, e a mim mesma me dizia: Ave crux, spes unica!". A data e o local exato de sua morte são desconhecidos, sendo bastante provável que tenha morrido em Auschwitz, entre 2 e 9 de agosto de 1942.Na cerimônia de sua canonização, a que assistiram milhares de pessoas, o Papa João Paulo II disse que o ato deveria ser uma "ponte de compreensão" entre os católicos e os judeus. A declaração de santidade de uma pessoa que viveu a espiritualidade católica deve ser interpretada como uma proclamação de que os melhores exemplos para os católicos são os santos, entre os quais está Edith Stein.Como autêntica judia, solidarizava-se com os sofrimentos de seu povo. Como autêntica cristã, soube encontrar a Cruz nos horrores da perseguição nazista. Em suas palavras, "mas agora se acendeu de repente uma luz em mim! Deus tinha colocado de novo sua mão bem pesada sobre seu povo e compreendi que a sorte desse povo era também a minha", e "o que se poderia dizer a mim para consolo? Consolo humano certamente não há, mas quem coloca a cruz como passagem para a vida, entende que o peso se torna suave e leve". Não há cristianismo verdadeiro, genuíno, sem participar, de algum modo, no mistério da Cruz. Os santos compreenderam essa realidade, e a Cruz os eleva até os cumes do amor de Deus: dar a vida.
por http://www.cleofas.com.br

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O verdadeiro temor do Senhor


Feliz és tu se temes o Senhor e trilhas seus caminhos (Sl 127,1). Todas as vezes que na Escritura se fala do temor do Senhor, nunca se fala isoladamente, como se ele bastasse para a perfeição da nossa fé; mas vem sempre acompanhado de muitas outras virtudes que nos ajudam a compreender sua natureza e perfeição. Assim aprendemos desta palavra que disse Salomão no livro dos Provérbios: Se suplicares a inteligência e pedires em voz alta a prudência; se andares à sua procura como ao dinheiro, e te lançares no seu encalço como a um tesouro, então compreenderás o temor do Senhor (Pr 2,3-5).
Vemos assim quantos degraus são necessários subir para chegar ao temor do Senhor.
Em primeiro lugar, devemos suplicar a inteligência, pedir a prudência, procurá-la como ao dinheiro e nos lançar-mos ao seu encalço como a um tesouro. Então chegaremos a compreender o temor do Senhor.
Porque o temor, na opinião comum dos homens, tem outro sentido. É a perturbação que experimenta a fraqueza humana quando receia sofrer o que não quer que lhe aconteça. Este gênero de temor manifesta-se em nós pelo remorso do pecado, pela autoridade do mais poderoso ou a violência do mais forte, por alguma doença, pelo encontro com um animal feroz e pela ameaça de qualquer mal.
Esse temor, por conseguinte, não precisa ser ensinado, porque deriva espontaneamente de nossa fraqueza natural. Não aprendemos o que se temer, mas são as próprias coisas temíveis que nos incutem o terror.

Pelo contrário, sobre o temor de Deus, assim está escrito: Meus filhos, vinde agora e escutai-me: vou ensinar-vos o temor do Senhor Deus (Sl 33,12). Portanto, se o temor do Senhor é ensinado, deve-se aprender. Não nasce do nosso receio natural, mas do cumprimento dos mandamentos, das obras de uma vida pura e do conhecimento da verdade.
Para nós, todo o temor do Senhor está contido no amor, e a caridade perfeita expulsa o temor. O nosso amor a Deus leva-nos a seguir os seus conselhos, a cumprir os seus mandamentos e a confiar em suas promessas. Ouçamos o que diz a Escritura: E agora, Israel, o que é que o Senhor teu Deus te pede? Apenas que o temas e andes em seus caminhos; que ames e guardes os mandamentos do Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, para que seja feliz (Dt 10,12-13).
Ora, os caminhos do Senhor são muitos, embora ele próprio seja o Caminho. Pois, ele chama-se a si mesmo caminho, e mostra a razão porque fala assim: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14,6).
Devemos, portanto, examinar e avaliar muitos caminhos, para encontrarmos, por entre os ensinamentos de muitos, o único caminho certo, o único que nos conduz à vida eterna. Há caminhos na Lei, caminhos nos profetas, caminhos nos evangelhos e nos apóstolos, caminhos nas diversas obras dos mestres. Felizes os que andam por eles, movidos pelo temor do Senhor. 


por
Dos Tratados sobre os Salmos, de Santo Hilário, bispo, séc IV

domingo, 13 de novembro de 2011

O Esposo de nossas Almas


Acabo de rezar pela milionésima vez seu poema “Formosura”. É inevitável lembrar-me do que dizia Pe. Caetano, lá pela década de 70: a graça especial do Novo Pentecostes na Igreja abriu para o leigo comum as portas da oração mística. Na época em que ele pregou sobre isso, lembro-me que fiquei apavorada, por que, para mim, oração mística significava estigmas, sofrimento, doença, humilhação e muito sangue derramado. Depois, aos poucos, fui aprendendo que tratava-se do que hoje chamamos “oração profunda” e, em honra a você, “oração aos moldes de Teresa”. Hoje, mais de vinte e cinco depois da palestra, a gente vai vendo que você, Teresa, tinha razão: pela vida de oração, pela oração profunda, pela oração que é vida, que é conversa contínua de amizade com Deus, a gente vê que Ele, de fato, é a
... formosura que excede toda formosura. A gente vê que não há ninguém no mundo que seja tão “formoso” quanto Deus. Sabe, Teresa, esta palavra hoje está meio esvaziada de sentido, mas, rezando, a gente percebe o que você quis dizer: não há ninguém tão belo, tão verdadeiro, tão pronto para perdoar, tão acolhedor, tão livre, tão feliz, tão aberto, tão sem preconceitos, tão alegre, tão misericordioso, tão, tão ... formoso, quanto Deus. Ele, de fato,
... sem ferir, “faz” dor em toda criatura. Olha, Tê (posso chamá-la assim, não é?), o conceito de “dor” também está meio deturpado e grandemente fora de moda. O homem de hoje foge léguas de toda dor, seja física, psicológica, espiritual... Mas, quando a gente reza, como você recomenda tantas vezes, a gente entende que esta “dor espiritual” é a dor de desejar a Deus sempre mais, de desejar corresponder ao Seu amor, de contemplar sua “formosura” e desejar unir-se a Ele, de contemplar seu ser amor e desejar ser amor com Ele e, por outro lado, não ter como possuí-lo, pois Ele sempre está além, de não ter como unir-se a Ele até quando Ele queira, de desejar ver-nos livres de nossa fraqueza, mas esperar que Ele nos liberte e “sofrer” que Ele nos dê a vitória na luta constante contra nós mesmos para sermos, como Ele, sempre “sim”. Não é de espantar que Ele, a Formosura, “faça dor” em nós, criaturas, que, com “dor-prazer” O desejamos sempre mais desejar e possuir. Para ajudar, como você disse, Ele
... desfaz sem dor o amor das criaturas. Não precisa se preocupar. A gente entende que você está falando em amar qualquer pessoa, coisa, animal, plano, opinião, e, em especial a nós mesmos acima de Deus. A gente sabe o quanto você tinha amigos fiéis e bons e o quanto os amava, mas, como eram bons amigos, levavam-na a amar a Deus acima deles. É bonito ver como você amou a Deus acima de tudo e de todos, acima do que pensavam, do que queriam que você fizesse, do que opinavam sobre seus mosteiros, suas fundações. Você, Teresa, de fato, compreendeu sua missão e amou a Deus acima de tudo e de todos, acima de você mesma, acima dos muitos amigos que você tinha. Seu amor às criaturas era relativo. O absoluto era o amor a Deus. Com certeza, era por causa do
... laço que assim junta duas coisas desiguais. Claro! Com certeza foi a ação do Espírito Santo. É nítido, na sua história, como você se abriu à ação Dele sem reservas e, assim, levando você a amar a Deus acima de tudo e de todos, inclusive e especialmente você mesma, Ele juntou duas coisas desiguais como você e Deus. Sabe, Tê, como você mesmo ensina, isso só é possível pela oração, pela vida de oração. Acho que, daí do céu, você consegue ver muito bem como é difícil a gente rezar, recolher-se, refletir, meditar, hoje em dia. Precisa rezar muito por nós, Tê. Porque, veja bem: sem uma oração que seja amizade sincera com Deus, o Espírito Santo, o Laço, não tem como juntar duas coisas tão desiguais como Deus e nós. Acaba o espírito do mundo, do amor às coisas, ao dinheiro, ao trabalho, a nós mesmos, atraindo e laçando (no mau sentido) a gente, prendendo a gente a si mesmo e, assim, fazendo com que a gente fique cada vez mais longe de Deus. Sem rezar, Tê, não dá, você sabe. E, como você mesma ensina, não há nada que Deus queira mais do que nos ter junto a Ele, e o caminho é a oração. Sei bem que é por isso que você pede que o Espírito Santo que
...não desate o que ata. Por favor, querida Teresa, continua, aí no céu, a fazer esta oração. Pede muito ao Espírito que não desate o que atou com o Novo Pentecostes, com o nosso Batismo no Espírito, com a nossa primeira experiência com Deus, com os nossos compromissos e votos. Precisamos muito, muito mesmo, da sua oração. Não é fácil “manter acesa a chama” no mundo de hoje, diante de tantos apelos e desafios, diante de tantas investidas do inimigo. E, olha, como você sabe, sem oração, não há como manter acesa nenhuma chama de amor a Deus, nem mesmo uma pequenininha. É ilusão, como você mesmo ensina, achar que podemos passar “só um diazinho” sem rezar, sem fazer nossa Lectio Divina, pura ilusão. Para retomar a vida de oração, como você mesma testemunha, é uma batalha intensa. Deixar é fácil, mas voltar, eh, eh! Dá para entender porque você pede ao Espírito que não desate o que ata, é que
... atando, Ele dá força a ter por bem todos os males. Porque, sabe, Teresa, só com a força do Espírito e a chama viva do amor acesa pela oração constante é que a gente vai conseguir ver como vale a pena lutar por Deus, lutar pela radicalidade do Evangelho, lutar pela paz, sofrer perdas por causa de Jesus e da vontade do Pai. Assim, com a ajuda do Espírito que nos ilumina pela oração, a gente vai ver que não é um mal perder o conforto, a vida-boa, o prestígio, a juventude, a beleza, até a saúde por amor a Deus e ao seu Reino. Isso que as pessoas –e, quando está sem rezar, até a gente mesmo- chama de “males” se tornam, claramente, grande bem quando, pela oração, passamos a ver as coisas com os olhos de Deus. Por isso, pede para nós, Tê, o que você pediu para você mesma:
... junta aquela que não é à plenitude acabada. Pede a Deus que a gente viva unido, mas cada vez mais unido, mesmo, a Ele, sendo um com Ele na perfeição do amor, que só vive pela oração. Pela tua intercessão, ensina a gente que este nosso Esposo,
... sem acabar, acaba. Sem ter que amar, ama. Isto é, faz a gente entender que este nosso Amado vai burilando, moldando, esculpindo, acabando em nós sua obra de amor, bem aos pouquinhos, do jeito que a gente agüenta. Ele, que não tem nenhuma obrigação de amar a gente, mesmo assim, ama, pois que Ele só sabe amar e amar com amor gratuito, que é o único amor. Assim, como você bem disse, Ele
... engrandece nosso nada. Isso, Teresa! Você tem razão! Esta Formosura que excede toda formosura vai-nos atraindo, atraindo, atraindo, conquistando, amando, ligando, juntando, desejando, com muita eficácia, nos levar à plenitude do amor, à união consigo. Assim, Ele, que é o Tudo, nos eleva, engrandece nosso nada, fazendo-nos genuinamente felizes, acabando em nós sua obra de amor. Mas tudo isso, querida Teresa, você sabe, é fruto da oração, fruto daquele diálogo de amigo que nos torna semelhantes a quem amamos pela força do Amor desse nosso Amado. Teresa, ensina-nos, por favor, a rezar.
 

por Emmir Nogueira, Co-Fundadora da Comunidade Shalom * 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Não te perturbes!


Quer conhecer um roteiro infalível para seu dia a dia? Leia com atenção:Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa! Só Deus não muda. A paciência, por fim, tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta, pois só Deus basta.Escrito há 500 anos, essa poesia de Santa Teresa de Jesus continua a ensinar o essencial: Só Deus basta! Mas, o que isso significa concretamente?


Vivemos sobressaltados, preocupados. Inquietos, passamos o dia tentando resolver mil coisas. Ansiosos, não conseguimos dormir bem. Preocupados, acabamos por meter os pés pelas mãos no desejo de evitar que aconteça o que nós consideramos “o pior”. Estressados, acabamos por nos irritar contra tudo e todos. Gritamos no trânsito, gritamos em casa, desmoronamos de cansaço.O problema está, entre outras coisas, em achar que sabemos o que é o “melhor” e “pior” para nós. Uma vez estabelecido o que consideramos nos convir ou não, tomamos as rédeas para determinar o que consideramos “melhor”. Ocorre que tudo, mas tudo mesmo, passa e o que ontem nos parecia “o melhor”, hoje é, visivelmente, “o pior”.Fé em DeusA raiz da inquietação, estresse, preocupação e ansiedade que aos poucos nos matam, contudo, reside além do fato de tudo passar, reside na fé.Há a fé que acredita em Deus e reza, contrita, o “Creio em Deus Pai”. Acreditar desse jeito, afirma São Tiago, até os demônios crêem e tremem. Nós, até cremos, quanto a tremer...Há aquela “fé” que pede a Deus o que acha “necessário”, “imprescindível”, “melhor” e fica ressentida com Deus se ele não atende seu pedido por mais que peça através de todos os meios – diga-se de passagem, nem sempre lícitos. É a fé infantil, diria, até, “birrenta”.


Essa fé, “contrariada”, muda de igreja quando não é atendida, assim como criança birrenta põe cara feia e diz aos pais que não é mais filho deles.Há a fé madura, que crê no Evangelho e na Igreja e vive seus ensinamentos, custe o que custar. É a fé dos santos.Há a fé que confia em Deus e a ele se entrega inteiramente, tranquila, pois sabe que ele é Pai e sempre providencia o melhor para nós. E, para Deus, o melhor para nós é a santidade.É essa fé madura e inteiramente confiante no amor de Deus que não se perturba com nada. Sabe ser fiel a Deus e ao Evangelho na penúria e na fartura, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.Essa fé madura e confiante que é amada por Deus, não se espanta com nada. Nada a escandaliza, ainda que seja grande tristeza. Seus olhos não estão aqui na terra, mas fixos no céu. Sabe que, aqui na terra, tudo passa, tudo muda. Sabe que tudo pode nos enganar e iludir. Sabe, sobretudo, que Só Deus é o mesmo sempre. Só Deus não muda. Só o amor de Deus é sempre o mesmo, pois ele é amor em ato. Essa fé não vive para a terra nem valoriza o que à terra pertence. Vive para o céu, usando as coisas da terra para alcançá-lo.Paciência de AutodomínioPor isso tem paciência. Não aquela paciência de autodomínio, nem aquela que rói as unhas e balança as pernas para controlar a impaciência interior. Trata-se, aqui, da paciência-esperança, a paciência-fé, a paciência-amor.É aquela paciência que sabe que Deus está no comando. Sabe que ele pode tudo e tudo realiza por amor. Está certa de que, no tempo de Deus – e não no seu! – ele mesmo resolverá da melhor forma de todas, sempre visando nossa santificação e a do mundo. Sabe que, ainda que tudo esteja negro, verá a vitória de Deus e que essa vitória nem sempre é tal qual pensamos.Fé, caridade, esperança, paciência, confiança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Corretíssimo. Mas, quem é mesmo que “tem Deus”. Todos. Porém, Santa Teresa fala aqui daquele que conhece Deus não por palavras e teorias, mas pela oração e pelo amor.


Em uma palavra, pelo relacionamento pessoal, relacionamento de amizade. Este, que ora com a Palavra, que tem a Deus como o centro de sua vida, que procura amá-lo em tudo, a este, nada lhe falta. Dele cuida o Pai muito melhor do que as aves do céu e os lírios dos campos, pois ele vale muito mais aos seus olhos.Nada te perturbe, homem de pouca fé! Nada te espante, mulher de pouca esperança! Tudo, mas tudo, mesmo, passa, exceto Deus. Fica, então, com o Único que é digno do teu amor e deixa-o cuidar de ti. Espera. Confia. Espera sempre, confia sempre. Quem tem a Deus, quem o conhece, quem confia nele, vive de forma diferente, vive de olho no céu e de coração no coração de Deus. Por isso, é tranquilo e feliz.Só Deus basta. Dedica-te a Ele. Deixa-te amar por ele. Ama-o. Nada, então, te perturbará.FirulasVivemos sobressaltados, preocupados. Estressados, acabamos por nos irritar contra tudo e todos. Gritamos no trânsito, gritamos em casa, desmoronamos de cansaço.O problema está, entre outras coisas, em achar que sabemos o que é o “melhor” e “pior”para nós.A raiz da inquietação, estresse, preocupação e ansiedade que aos poucos nos matam, contudo, reside além do fato de tudo passar, reside na fé.Há a fé que confia em Deus e a ele se entrega inteiramente, tranquila, pois sabe que ele é Pai e sempre providencia o melhor para nós. E, para Deus, o melhor para nós é a santidade.





por Emmir Nogueira, Co-Fundadora da Comunidade Shalom

Comunidade Católica Shalom

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Maria, mestra da oração (1ª parte)

Queremos voltar a contemplar Maria como mestra e modelo da nossa oração. O amor feminino, a delicadeza da mulher se abre à ternura de Deus e nos ensina novos caminhos para nos aproximar do Senhor. Maria não começou a rezar depois que foi visitada pelo anjo Gabriel e depois da Encarnação. A Igreja apresenta-nos Maria orante antes da aurora da plenitude dos tempos, antes que ela fosse escolhida como mãe de Jesus. 


Maria na sua casa de Nazaré 

Não é difícil reconstruir a vida da jovem Maria, filha de Ana e de Joaquim, que vivia num povoado da Galiléia chamado Nazaré. Uma vida de gente pobre, simples, que devia lutar de sol a sol para garantir o próprio sustento e cuidar dos afazeres diários de uma família: limpar a casa, buscar água na bica, socar o arroz no pilão, ir às casas vizinhas para manifestar a solidariedade nos momentos de sofrimento pela morte de alguém, alegrar-se pelo nascimento de um filho ou repartir o pão preparado no forno a lenha... Uma vida simples, mas cheia de amor. 

A família de Joaquim e Ana era conhecida e estimada pelo seu trabalho, honestidade e zelo pela Lei do Senhor. Não havia nada de especial. Sua rotina era marcada pela união, amor e compreensão. De manhã, ao meio-dia e ao anoitecer, imagino que a pequena família de Nazaré, deixando de lado os trabalhos, unia-se em oração. Não há dúvida de que Joaquim repetia os textos sagrados ouvidos na sinagoga e convidava a família a estar atenta aos sinais para reconhecer a vinda do Messias, anunciado pelos profetas. Maria prestava atenção a tudo e se colocava em oração. E sonhava com a vinda do Messias, suplicava a Deus que lhe fizesse contemplar a chegada daquele que devia salvar o povo de Javé. Estes desejos e esperança se fazem oração na vida de Maria. 

"A oração de Maria nos é revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da Encarnação do Filho de Deus e antes da efusão do Espírito Santo, sua oração coopera de maneira única com o plano benevolente do Pai" (Cat 2617). Por isso Maria faz-se para nós mestra de oração. Como cada um de nós, ela fundamentou a sua oração na fé e no amor ao Senhor, que vem em socorro do seu povo. 

Uma característica da oração de todos os tempos é a esperança. Saber esperar o que ainda não possuímos. O Deus da esperança não leva em conta a nossa matemática; para Ele, mil anos são como um dia, e um dia como mil anos. Nós, homens e mulheres, somos cada vez mais triturados pela pressa, a pressa de tudo. Não sabemos mais esperar. 
No entanto, Deus é o Deus da esperança e suas promessas se realizam no decorrer do tempo, lenta mas inexoravelmente. É preciso carregar em nós esta certeza de que toda promessa vai se realizar, e passar esta teologia da esperança a todos os que vivem conosco para que seja transmitida aos que vierem depois. 
Maria é a janela da esperança aberta sobre o mundo. Quem tem esperança não pode deixar de rezar, de acreditar que o Deus da história vai mudar o curso das coisas. Todos nós esperamos e, alcançando o que esperamos, assumimos outro ideal, e outra esperança nos anima. A oração de Maria começa a se realizar quando ela se abre ao mistério da concepção, quando pronuncia o seu "sim". 
Quem reza não faz muitas perguntas a Deus, não duvida de sua ação. Sente, como Maria, medo e insegurança, tenta compreender, mas entrega-se plenamente nas mãos do Senhor. Por isso encontramos Maria plenamente dócil à ação do Espírito Santo que a conduz por caminhos para ela desconhecidos. Maria reza "na Anunciação para a concepção de Cristo, em Pentecostes para a formação da Igreja, Corpo de Cristo" (Cat 2617). 

O nosso fiat... Sim incondicional 

Há momentos em que dizer "sim" ao projeto de Deus é extremamente difícil, mas é o que Deus quer dos seus amados. A Deus não se pode dar resposta medíocre ou parcial. 

Contemplar o Fiat de Maria é descer ao íntimo de sua humanidade, de seu mistério. O mistério não se revela uma vez por todas, mas lentamente se abre os nossos olhos e Deus nos faz compreender o que irá acontecer. Por isso Maria conservava todas as coisas no seu coração, ia meditando-as para que tudo se fizesse realidade. Toda pessoa de fé caminha na noite, mas tem no coração a certeza que, um dia, o sol brilhará em todo o seu esplendor. Aprender na escola de Maria, mestra da oração, a dizer "sim" é deixar-se conduzir plenamente pela mão de Deus, sem saber aonde Ele nos conduzirá. O Fiat envolve toda a nossa inteligência e exige a resposta da fé. 

O nosso sim, à imitação de Maria, deve ser total, incondicional, mesmo quando não compreendemos, mesmo na revolta da nossa natureza; ou quando a cruz nos parece mais pesada; ou ao nosso redor as trevas se fazem mais espessas; quando o grito da dor rompe do nosso coração; quando nada parece ter sentido e nos sentimos sozinhos, sem apoio, é exatamente nesses momentos que devemos ter a coragem de dizer FIAT - faça-se! 

"Na fé de sua humilde serva, o dom de Deus encontra o acolhimento que esperava desde o começo dos tempos. Aquela que o Todo-poderoso tornou 'cheia de graça' responde pela oferenda de todo seu ser: 'eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo tua palavra'. Fiat, esta é a oração cristã: ser todo dele porque Ele é todo nosso" (Cat 2617). 

Contemplação de olhos abertos 

Ensinaram-nos que a contemplação acontece quando ficamos de olhos fechados, despreocupados de tudo o que pode acontecer ao nosso redor. Que o contemplativo é alguém meio alienado, que mergulha no seu próprio ser sem sentir mais o peso da vida e sem se angustiar pelas milhares de pessoas que, a cada dia, morrem de fome ou lutam para reconquistar a própria liberdade. 

Deram-nos a imagem do contemplativo como alguém meio estranho, distante de tudo, preocupado apenas com seus cânticos e rezas, mas pouco atento ao que acontece na vida de cada dia, afinal, "ser contemplativo é interceder pelos outros sem saber por que; é Deus quem vai saber como 'distribuir' as orações que recebe". Nada de mais aberrante e sem fundamentação! 

Maria, a intercessora, contemplativa, está toda atenta nas bodas de Caná; não foge para se retirar em oração, esconder-se aos olhos dos outros. Gosto de imaginar Maria de pé, entre a sala dos convidados e a cozinha, olhando tudo o que vai acontecendo. E ao perceber que os servidores não passam mais rapidamente para servir o vinho, ela não fica indiferente, mas se preocupa e tenta solucionar o problema. 

"Não têm mais vinho!" Estas palavras têm uma força toda especial na nossa vida orante. Não é suficiente suplicar, é preciso conhecer os sofrimentos dos irmãos pelos quais rezo. A oração nasce da realidade, da vida. Quanto mais estivermos no meio do povo, mais perceberemos suas necessidades. Portanto, a Igreja quer que os contemplativos e as contemplativas estejam informadas sobre o que acontece no mundo e na Igreja. Viver os problemas dos outros estando ao lado... Não se pode assumir o que não se conhece. 

Maria, nas bodas de Caná, nos faz compreender que a vida é sempre festa, alegria, aliança, matrimônio. Não se celebra uma festa sozinho, separado dos outros. Mas muitas vezes a festa é estragada pela falta de pequenas ou grande coisas. O maior pecado é o egoísmo, que nos impede de ver que vinho falta na grande festa da vida: o vinho da fé, do amor, da esperança. 

"O Evangelho nos revela como Maria ora e intercede na fé: em Caná a mãe de Jesus pede a seu filho pelas necessidades de um banquete de núpcias, sinal de outro Banquete, o das núpcias do Cordeiro que dá seu Corpo e Sangue a pedido da Igreja, sua Esposa. E é na hora da nova Aliança, ao pé da Cruz, que Maria é ouvida como a Mulher, a nova Eva, a verdadeira 'mãe dos vivos'" (Cat 2618). 


Um Lugar de Contemplação


























Capela ("Capela da Jangada") do Instituto Religioso Nova Jerusalém

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Amigo Fiel





"Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou descobriu um tesouro. Nada é comparável a um amigo fiel; o ouro e a prata não merecem ser postos em paralelo com a sinceridade da sua fé. Um amigo fiel é um remédio de vida e imortalidade; quem teme ao Senhor achará esse amigo. Quem teme o Senhor terá também uma excelente amizade, pois o seu amigo lhe será semelhante". (Eclo 6,14ss)

sábado, 5 de novembro de 2011

Cultive as boas amizades


Uma amizade só é verdadeira se baseada na fidelidade

Não preciso falar aqui da importânica de cultivar as boas amizades para ser feliz. Milan Kundera diz que “toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos. Os amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contraído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão.”


A verdadeira amizade nos socorre quando menos esperamos! Podemos esquecer aquele com quem rimos muito, mas nunca nos esqueceremos daqueles com quem choramos. Os corações que as tristezas unem permanecem unidos para sempre.
Na prosperidade, os verdadeiros amigos esperam ser chamados; na adversidade, apresentam-se espontaneamente. A fortuna faz amigos. A desgraça prova se eles existem de fato. É preciso saber fazer e cultivar amizades. Isso depende de cada um de nós; antes de tudo, do nosso desprendimento e fidelidade ao outro. Para conquistar um amigo é preciso criar um “deserto” dentro de si, aceitando que o outro venha ocupá-lo.
Acolher o amigo é, em primeiro lugar, ouvi-lo. Alguns morrem sem nunca ter encontrado alguém que lhes tenha prestado a homenagem de calar-se totalmente para ouvi-los. São poucos os que sabem ouvir, porque poucos estão vazios de si mesmos, e o seu "eu" faz muito barulho. Se você souber ouvir, muitos virão lhe fazer confidências.
Muitas pessoas se queixam da falta de amigos, mas poucos se preocupam em realizar em si as qualidades próprias para conquistar amizades e conservá-las.
Se você quiser ser agradável às pessoas, fale a elas daquilo que lhes interessa e não daquilo que interessa a você. A amizade é alimentada pelo diálogo; que é uma troca de ideias em busca da verdade; muito diferente da discussão, que é uma luta entre dois, na qual cada um defende a sua opinião.
A verdadeira amizade não pode ser alimentada pela discussão, somente pelo diálogo.
Em vez de demonstrar exaustivamente que o amigo está errado, ajude-o a descobrir a verdade por si mesmo; isso é muito mais nobre e pedagógico.
Se você quiser agir sobre seu amigo, de verdade, para que ele mude, comece por amá-lo sincera e desinteressadamente.
A amizade também exige que se corrija o amigo que erra; mas devemos censurar os amigos na intimidade; e elogiá-los em público. Nada é tão nocivo a uma amizade como a crítica ao amigo na frente de outras pessoas; isso humilha e destrói a confiança. Nunca desista de ajudar o amigo a vencer uma batalha; não há nem haverá alguém que tenha caído tão baixo que esteja fora do alcance do amor infinito de Deus e do nosso socorro.
Uma amizade só é verdadeira e duradoura se é baseada na fidelidade. Cuidado, pois para magoar alguém são necessários um inimigo e um amigo: o inimigo para caluniar e um “amigo” para transmitir a calúnia.
(Trecho extraído do livro “Para ser feliz”)


Felipe Aquino
felipeaquino@cancaonova.com
Prof. Felipe Aquino, casado, 5 filhos, doutor em Física pela UNESP. É membro do Conselho Diretor da Fundação João Paulo II. Participa de aprofundamentos no país e no exterior, escreveu mais de 60 livros e apresenta dois programas semanais na TV Canção Nova: "Escola da Fé" e "Trocando Idéias". Saiba mais em Blog do Professor Felipe Site do autor: www.cleofas.com.br

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A sobriedade do jovem


Caríssimos filhos


Este encontro semanal do Papa com os jovens e os adolescentes — tão entusiasta e tão cheio de vivacidade verdadeiramente sinal de alegria e de esperança. Sinal de alegria, porque onde há jovens, adolescentes ou crianças, há certeza de alegria, uma vez que está a vida no seu florir mais espontâneo e viçoso. Vós possuís em abundância e dais generosamente esta "alegria de viver" a um mundo que às vezes esta cansado, desanimado, desconfiado e desiludido. Sinal de esperança é também este nosso encontro, porque os adultos — não só os vossos pais mas também os vossos professores e todos quantos ajudam o vosso crescimento e maturação física e intelectual — vêem em vós aqueles que hão-de realizar aquilo que eles, pela variedade das circunstâncias, não puderam talvez levar a termo.


Portanto, um jovem sem alegria e sem esperança não é autêntico jovem, mas homem murcho e envelhecido antes de tempo. Por isso vos diz o Papa: Levai, comunicai e irradiai a alegria e a esperança! O assunto da Audiência de hoje está profundamente relacionado com tudo o que recordei até agora: nas quartas-feiras precedentes, continuando o esquema deixado quase como testamento pelo meu saudoso Predecessor João Paulo I, falei das virtudes cardeais: prudência, justiça e fortaleza. Hoje quero deter-vos brevemente com a quarta virtude cardeal: a temperança, a sobriedade. São Paulo escrevia a seu discípulo Tito, que deixara como bispo na ilha de Creta: Exorta os jovens a serem sóbrios (Tit 2, 6). Seguindo eu também a exortação do Apóstolo das Gentes, desejaria começar por dizer que as atitudes do homem, provenientes de cada uma das virtudes cardeais, são entre si interdependentes e unidas. Não se pode ser homem verdadeiramente prudente, nem autenticamente justo, nem realmente forte, não se possuindo a virtude da temperança. Esta condiciona indirectamente todas as outras virtudes; mas também estas são indispensáveis para que o homem possa ser "temperante" ou "sóbrio".Temperantia est commune virtutum cognomen — escrevia no século VI São João Clímaco (Escada do Paraíso, 15) — isto é, poderíamos traduzir, "a temperança é o denominador comum de todas as virtudes".
Poderia parecer estranho falar da temperança ou da sobriedade a jovens e a adolescentes. Mas, filhos caríssimos, esta virtude cardeal é necessária de modo particular a vós, que vos encontrais no período maravilhoso e delicado, em que a vossa realidade biopsíquica cresce até à maturação perfeita para serdes capazes, física e espiritualmente, de enfrentar as alternativas da vida nas suas mais desvairadas exigências.
Temperante é aquele que não abusa dos alimentos, das bebidas e dos prazeres; que não toma desmedidamente bebidas alcoólicas; que não se priva da consciência mediante uso de estupefacientes ou drogas. Em nós podemos imaginar um "eu inferior" e um "eu superior". No nosso "eu inferior" exprime-se o nosso "corpo" com as suas carências, os seus desejos, as suas paixões de natureza sensível. A virtude da temperança garante a cada homem o domínio do "eu superior" sobre o do "inferior". Trata-se, talvez, neste caso, de humilhação, de diminuição para o nosso corpo? Pelo contrário! Esse domínio valoriza-o, exalta-o.
O homem temperante é aquele que é senhor de si mesmo; aquele em que as paixões não tomam a supremacia sobre a razão, sobre a vontade e também sobre o coração. Entendamos portanto como a virtude da temperança é indispensável para que o homem seja plenamente homem, para que o jovem seja autenticamente jovem. O triste e aviltante espectáculo dum alcoólico ou dum drogado faz-nos compreender claramente como "ser homem" significa, antes de qualquer outra coisa, respeitar a própria dignidade, isto é, deixar-se alguém conduzir pela virtude da temperança. Dominar-se a si mesmo, as próprias paixões e a sensualidade não significa de maneira nenhuma tornar-se alguém insensível ou indiferente; a temperança de que falamos é virtude cristã, que aprendemos com o ensino e o exemplo de Jesus, e não com a chamada moral "estóica".
A temperança exige de cada um de nós urna especial humildade a respeito dos dons que Deus colocou na nossa natureza humana. Há a "humildade do corpo" e a do "coração". Esta humildade é condição necessária para a harmonia interior do homem, para a sua beleza íntima. Reflecti bem nisto, vós jovens, que estais precisamente na idade em que tanto se estima ser belo ou bela para agradar aos outros! Um jovem e uma jovem devem ser belos primeiramente e sobretudo interiormente. Sem tal beleza interior, todos os outros esforços que só tenham o corpo por objecto não farão — nem dum jovem nem duma jovem — uma pessoa verdadeiramente bela.
Desejo, filhos caríssimos, que irradieis sempre beleza interior.



por Papa João Paulo II * 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

As distrações na oração


O Papa João Paulo II, na carta "No início do novo milênio", convida toda a Igreja a tomar consciência de que não pode existir experiência de Deus, nem apostolado autêntico, nem amor fraterno, nem uma humanidade unida na construção da civilização do amor sem a oração.

Para que possamos fazer algo bom dentro e fora de nós, para que possamos produzir frutos abundantes na videira que é Cristo, precisamos entrar na plena comunhão com Ele. Repetimos várias vezes que a oração não é uma imposição, uma lei que nos obriga e escraviza, mas uma necessidade, uma urgência do coração que, sentindo-se solitário, exilado, incompreendido, busca ansiosamente um amigo que o possa amar e escutar. Na oração, Deus e o homem se amam reciprocamente, e um fica feliz de se contemplar no outro. Deus se contempla no homem criado à sua imagem e semelhança, e o homem se contempla em Deus, vendo a que é chamado a ser. 


A oração nos liberta de todos os nós, permite-nos levantar vôo. Santa Teresa de Ávila diz que somos chamados, como a pombinha branca, a alçar vôo para Deus, a entrar, vencendo todos os obstáculos, no castelo interior; e a porta pela qual entramos neste castelo é a oração.

Quando nos decidimos a rezar é porque nos encontramos em dificuldades e não sabemos como sair delas sozinhos, ou estamos tomados por uma alegria tão grande que não podemos fazer outra coisa senão gritar aos sete ventos: "Obrigado, Senhor". É algo maior do que nós. Os indiferentes, os insensíveis, os que se sentem bem com o "rastejar" e não desejam voar e ultrapassar o azul do céu para estar com o Senhor, nunca serão grandes orantes.

Mas, se rezar é tão bom - como dizem os místicos, os santos, os homens e mulheres que gastaram a vida toda procurando o rosto do Amado -, por que para nós há momentos em que a oração se faz difícil? Quais são as dificuldades maiores que encontramos na oração e como superá-las? Para vencer as dificuldades é necessário, antes de mais nada, ter muita confiança em Deus e pouca em nós. É ter consciência de que o Senhor nos dará a alegria de estar com Ele. Ele, como Pai amoroso, alegra-se quando nos vê lutando contra os inimigos que nos impedem de amá-lo e adorá-lo.

Não ter medo do fracasso

Todas as coisas têm as cores com que nós as pintamos; dependem do olhar com que as contemplamos. Para o pessimista, tudo vai mal; para o otimista, quase tudo vai bem.

Nossa oração é sempre atendida por Deus. Mesmo quando parece que não, Ele nos escuta e, na sua infinita sabedoria, nos dá o que necessitamos para o nosso crescimento. Somente Deus sabe do que realmente precisamos, e jamais Ele fecha o ouvido aos nossos gritos e súplicas. Quantas vezes na minha vida, quando era mais jovem, achei que Deus se "divertia", quase com um certo "sadismo", negando-me o que eu lhe pedia com tanta insistência. Mas, com o passar do tempo, sendo amadurecido ao sol do sofrimento e da experiência, fui vendo que Deus age de forma diferente. Fui me lembrando das palavras do profeta Isaías: "Os meus caminhos não são os vossos caminhos"; ou de Jesus: "O Pai sabe do que vocês necessitam antes que vocês peçam".

Ser confiante no amor misericordioso de Deus é deixar a Ele a liberdade de agir em nossa vida. Uma liberdade que sempre é colocada a serviço do ser humano. A oração, recorda-nos o Catecismo, é um verdadeiro combate. Uma vigilância perene sobre nós mesmos para não deixarmos entrar no coração os sentimentos que impedem o nosso encontro filial com Deus.

"Enfim, nosso combate deve enfrentar aquilo que sentimos como nossos fracassos na oração: desânimo diante de nossa aridez, tristeza por não ter dado tudo ao Senhor, por ter "muitos bens", decepção por não ser atendidos segundo nossa vontade própria, insulto ao nosso orgulho (o qual não aceita nossa indignidade de pecadores), alergia à gratuidade da oração etc. A conclusão é sempre a mesma: para que rezar? Para superar esses obstáculos é preciso lutar para ter a humildade, a confiança, a perseverança" (Cat, 2728).

Diante de tudo isto é bom nos convencermos de que a oração exige esforço nosso. Todo diálogo, para ser construtivo, vai exigindo uma constante atenção ao que acontece dentro de nós. Orar é abrir o nosso humano para que o divino possa entrar. Nunca devemos destruir a nossa sensibilidade, a nossa humanidade, mas torná-la mais atenta e aberta à ação de Deus em nós.

A alegria de ser distraído

Ensinaram-nos a considerar as distrações como a maior dificuldade da nossa vida de oração, a vê-las como "marimbondos" que não nos deixam tranqüilos quando queremos estar a sós com aquele que amamos, um empecilho no diálogo, no amor e na vida. Ser distraído foi considerado como algo desrespeitoso por aquilo que estamos fazendo. Diante desta dificuldade comum em todos nós devemos, sem dúvida, redimensionar a nossa atitude frente às distrações na vida de oração.

É preciso tomar consciência de que não somos distraídos somente na oração, mas em todas as atividades. Quantas vezes estamos diante da TV, mas o nosso coração, fantasia e pensamento estão tão distantes que perguntamos a alguém: "De que este programa está falando?" Ou quem de nós não se "pegou distraído" no trânsito a ponto de entrar numa rua errada? Ou ainda, durante o estudo leu cinco páginas e nada reteve na memória porque estava distraído... A distração, portanto, faz parte da nossa humanidade. Ninguém consegue pensar horas a fio no mesmo assunto e argumento. O ser humano é volúvel, tem necessidade de voar a tantos lugares, pensar em muitas coisas ao mesmo tempo... Como a abelha vai de flor em flor e, sem parar em nenhuma, vai sugando o néctar para sua vida pessoal e comunitária.

Ser distraído pode ser considerado não como um mal, mas como uma forte intuição do amor. Às vezes, pode ser o Espírito Santo querendo recordar-nos algo importante. Quem sabe você está rezando e, de imediato, vem-lhe o pensamento de que se esqueceu de desligar o gás da cozinha... Santa distração, que leva a correr e a evitar o perigo! Ou se rezando se "distrai" pensando nos pais, nos trabalhos, nas dificuldades, na falta de amor, nas pessoas... É o momento para você colocar tudo no coração de Deus e transformar essas distrações em motivações orantes para sua vida.

Diante das distrações, temos duas opções: assumir a nossa situação e o que nos vem à mente, ao coração, e fazer de tudo isso oração a ser apresentada a Deus, que é o melhor caminho; ou "chamar de volta" a nossa memória, a nossa atenção ao que estamos meditando. Este constante esforço é agradável ao Senhor porque manifesta o nosso amor e a nossa decisão de estarmos atentos à voz do Espírito.

É bom não perder tempo com as distrações, não se deixar atrair por elas, mas saber administrá-las com paciência e alegria. Quanto menos importância lhes damos, menos elas nos perseguem. Esta sabedoria é própria dos santos e de quem quer ser santo. "Pensar", nos adverte Teresa de Ávila, "o que estamos dizendo e a quem o estamos dizendo. Não seria justo falar com uma pessoa pensando em outras coisas ou com o olhar distante, como quem está cansado da presença do amigo".

Esta sabedoria está presente na pedagogia da Igreja que, no Catecismo, nos recorda: "A dificuldade comum de nossa oração é a distração. Esta pode referir-se às palavras e ao seu sentido, na oração vocal. Pode, porém, referir-se mais profundamente àquele a quem oramos, na oração vocal (litúrgica ou pessoal), na meditação e na oração mental. Perseguir obsessivamente as distrações seria cair em suas armadilhas, já que é suficiente o voltar ao nosso coração: uma distração nos revela aquilo a que estamos amarrados, e essa tomada de consciência humilde diante do Senhor deve despertar nosso amor preferencial por Ele, oferecendo-lhe resolutamente nosso coração, para que Ele o purifique. Aí se situa o combate: a escolha do senhor a quem servir. Positivamente, o combate contra nosso "eu" possessivo e dominador é a vigilância, a sobriedade do coração" (Cat, 2729-2730).

Quando percebemos que estamos "voando por aí", devemos aprender a voltar "ao assunto" e não permitir que alguém nos distraia do amor que devemos doar ao Amado. "Eu dormia, mas meu coração velava"...

Quem vive na tensão do amor será sempre como Maria, que "guardava todas estas coisas no seu coração e as meditava".

As distrações, as fantasias são as loucas da casa e por isso é preciso aprender a recolhê-las quando querem ir mais longe do que lhes é permitido. Superar as distrações é um exercício. Nunca chegaremos a evitá-las plenamente. Somente com uma graça especial do Senhor ou um êxtase ou uma visão, quando todas as nossas potências estão suspensas. Enquanto estivermos por aqui mesmo é preciso saber colocar, como nos diz o salmista, "freio e cabresto" às fantasias e distrações para que não nos levem longe do nosso Amado. É preciso dominar, administrar as distrações sem violência. O segredo é que, segundo a intensidade do amor que arde no nosso coração, estaremos mais atentos e fiéis ao amor do nosso Deus.

No passado eu ficava nervoso, inquieto, desanimado diante das distrações da minha vida. Hoje, quem desanima são as distrações, porque sabem que, quando batem à minha porta, na maioria das vezes, a encontram fechada.

É necessário vencer as distrações com a força do amor. Mas, se elas vierem, convém aproveitar o que trazem, reciclar tudo isso e transformar em oração. Mesmo quando as distrações trazem à memória o pecado, que é como lixo, é preciso lembrar que o lixo reciclado gera energia e força. Reciclar as distrações é fazê-las passar pelo coração de Deus. Que o texto do apóstolo Paulo possa nos servir como exemplo: "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? ... Mas, em tudo isso vencemos por aquele que nos amou" (Rm 8,35-37).

Nada pode nos separar do amor de Cristo. Nem as distrações, mágoas ou pensamentos inúteis; nada nem ninguém, porque Cristo é nosso e somos dele.

"...O intelecto não se fixa em nada, parece frenético, de tal maneira está descontrolado. Quem assim está verá, devido ao sofrimento que lhe sobrevem, que não é culpado por isso. Não deve afligir-se, porque é pior, nem se cansar em querer trazer à razão quem não a tem, isto é, seu próprio intelecto; reze como puder... De nossa parte, o que podemos fazer é procurar ficar a sós, e queira Deus que isso baste, como eu digo, para que entendamos com quem estamos e a resposta que o Senhor dá aos nossos pedidos. Pensais que Ele está calado? Mesmo que não o ouçamos, Ele nos fala ao coração quando de coração lhe pedimos" (Santa Teresa) 


Frei Patrício Sciadini, OCD 

Oração, intimidade com o céu

- “Pelo Coração nos unimos a Deus”

“Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria.”

(Santa Teresa do Menino Jesus)

Nosso coração é uma casa, onde existem cômodos, janelas, porta... e abrimos a quem queremos receber bem. É também o centro da nossa vida, centro escondido, sustenta toda vida em nós. É inatingível pela razão – se o cérebro parar de funcionar o coração continua a bater e não vice e versa. Apenas o próprio Senhor o conhece e pode sondá-lo. É o lugar da decisão, lugar da verdade, onde escolhemos a vida ou a morte. Nosso coração é o lugar do encontro com Deus, lugar da aliança. É o Espírito que impulsiona esse encontro íntimo, entre Criador e criatura. (CIC § 2563)

Quem ora em nós é o coração, impulsionado pelo Espírito Santo, pela sede da presença do Criador, do Amor. Se o coração está longe de Deus, toda expressão da oração é vã, pois ela passa a ser mecânica. Quando dirigida totalmente pela razão e não pela autenticidade do sentimento e do momento no qual estamos passando, a oração foge da sua essência que é buscar sem cessar, a presença de Deus.

“Ao vê-la chorar assim, como também todos os judeus que a acompanhavam, Jesus ficou intensamente comovido em espírito. E, sob o impulso de profunda emoção, perguntou: Onde o pusestes?. Responderam-lhe: Senhor, vinde ver. Jesus pôs-se a chorar.”(Jo 11,33-34)

Jesus expressa sua autenticidade, impulsionado de profunda emoção. Expressa todo seu amor por Lázaro e por aquelas pessoas que estavam feridas pela dor da perda de quem amavam. Ele chorou... é o impulso que o leva a dar os próximos passos para clamar a intervenção do Pai naquele momento.

“Tomado novamente de profunda emoção, Jesus foi ao sepulcro. Era uma gruta, coberta por uma pedra...” (Jo 11,38ss)

Se o nosso coração é o ponto de encontro com o próprio Senhor, é dele que deve brotar a oração. Dado este primeiro passo, tudo é conseqüência e conseguimos assim, expressar o sentimento de profundo amor ou busca diante Daquele que tudo pode realizar, por amor a nós.

Lançar os olhos para o céu, deve ser para nós uma busca da Face Sagrada do Senhor. É um simples impulso do corpo, que anseia ver aquilo que o coração já está gritando: a presença e intervenção do Amado Senhor, em quem nossa alma confia e suspira de saudades.

“Levantando Jesus os olhos para o alto, disse: Pai, rendo-te graças, porque me ouviste...”

(Jo 11,41ss)

Quando, a partir do coração, o sentimento tomou conta de todo nosso corpo, a expressão vai além de um olhar para o céu, mas quer ser ouvida, quer anunciar esse sentimento de busca de todo ser. É o momento onde reconhecemos o quanto precisamos de Deus e que toda maravilha se realiza por Ele em nossa vida.

Temos como prova desse grito de reconhecimento diante de Deus, a oração de Maria: “Minha alma glorifica o Senhor e meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador...” (Lc 1,46ss)

Maria, exulta em Deus... em seu grande momento de alegria, mas também em tempos de provação. E é pela provação que conseguimos mostrar o que realmente somos diante de Deus. Por menor que ela seja, os sentimentos do nosso coração, expressos nas nossas atitudes ou não, revelam quem realmente somos e assim, provamos para Deus – diante destes sentimentos e atitudes – todo amor que temos por Ele. Provamos também, até que ponto renunciamos a nossa vontade para que a Vontade de Deus aconteça, uma vez que Ele sabe (como Pai) o que é melhora a cada um de nós. E esta prova de amor dada por nós ao Pai é expressa através de nossa vida e de nossa oração autêntica. O Magnificat é a mais perfeita oração da alegria. Maria, cheia do Espírito Santo e cheia de Jesus em seu seio, exultou de alegria perante de Deus, reconhecendo-se pequena diante da grandiosidade de Deus. Seu coração estava cheio do mais puro sentimento e o Senhor se alegrou em Maria, no seu coração e na sua vida, fazendo dela sua morada, um Templo Santo, morada Do Salvador.

Que alegria é saber se colocar diante do Rei e preparar na morada do nosso coração, no nosso castelo interior uma habitação para Deus. Preparar o trono do Rei de nossas vidas e nos encontrar com esse Rei todos os dias para refletirmos diante de Sua sabedoria e para pedir aquilo que realmente nos é necessário, sem orgulho ou cobiça. Pedir somente aquilo que nos leva a amar mais. Quando pedimos algo a Deus das alturas de nosso orgulho e da nossa própria vontade, pedimos apenas o que nos convém e acabamos anulando a essência de Deus que é Amor e que só quer nosso bem. Não podemos continuar a colocar condições para amar a Deus. Ou seja, só amamos a Deus quando Ele nos dá o que queremos. Assim acabamos por nos tornar meros mercenários.

Quando nos dirigimos a Deus justificando nossos erros ou nos achando melhores ou maiores do que os outros, estamos mais nos distanciando de Deus do que criando vínculo de aliança eterna com O Amado. Seremos assim, eternos fariseus (cf.Lc 18,9-14). Ao contrário, irmãos amados e irmãs amadas, rasguemo-nos diante do Senhor, como quem somente quer receber amor e amar em plenitude, pois a oração é uma graça que só pode ser acolhida por Deus, diante de um coração humilde e pobre.

“É preciso se lembrar de Deus com mais freqüência do que se respira.”

(São Gregório Nazianzeno)

A verdade é que nunca sabemos o que realmente precisamos, sempre queremos mais e mais e mais... Sem Deus, o homem é oco e tenta ser preenchido por tantas outras coisas inúteis e vazias que fazem da nossa vida uma jornada de busca e procura de satisfação pessoal em bens materiais e apegos terrestres.

Que possamos buscar sempre a Deus e assim, viver na Sua presença, e tudo nos será dado de acordo com nossas necessidades. (cf. Mt 6,33)

Paz oracional para teu coração!

Fonte: Comunidade Beatitudes