segunda-feira, 18 de abril de 2011

Reflexões para Semana Santa.



Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

A última secção do Apocalipse (21, 1—22, 5) faz um díptico com o relato da criação do Gênesis. Se a primeira palavra de Deus no Gn foi “faça-se” (Gn 1, 3), a primeira palavra emitida pelo que está sentado no trono é: “Faço tudo novo” (Ap 21, 5). O primeiro céu e a primeira terra desaparecem (v. 1), dando lugar a uma nova criação. O autor insiste em incutir a novidade, repetindo o termo até quatro vezes: vv. 1 (duas vezes), 2 e 5.

O mar, símbolo do caos, das forças adversas (Gn 1), já não existe (Ap 21,1). Deus, por meio de Cristo, destruiu o Adversário definitivamente (Ap 20, 1-10; cf. Is. 27, 1; 51, 9 s.; Sl 74, 13 ss.; Jó 26, 12 s.). Toda prova, toda tentação, acabou. Tudo é definitivo. Abatidos os inimigos, instaura-se o Reino de Deus, a nova humanidade na qual não há pecado, nem tropeço em provação alguma.

A nova Jerusalém não é feita de material inanimado, mas personifica a nova “cidade” dos que foram salvos. Com sua descida do céu, a totalidade do cosmos fica incorporada ao âmbito de Deus. Uma nova relação se instaura, se inaugura o novo noivado de Deus com o povo no gozo e na alegria (Os 2, 16-25; Jr 2, 1-3; Is 61, 10; 62, 4ss).

Essa noiva é a morada do Senhor. A nova Jerusalém, agora é a plenificação da presença de Deus no deserto, onde a nuvem era o símbolo da presença divina (sekinah), que baixava sobre a Tenda (Nm 9,15-23). Na nova Jerusalém o simbolismo se faz realidade: a morada não é a Tenda, mas o novo povo no qual Deus é uma presença plena.

A felicidade reina no novo povo (Ap 21, 4) porque foi eliminado todo tipo de dor, guerras, perseguições e morte (cf. também 22, 3-5). Aqui o livro chega a seu clímax: na luta contra o Adversário, a comunidade vencerá apesar das dificuldades de cada época. O Deus criador é também a meta última de todo ser criado. As fontes humanas de felicidade não saciam a sede; somente o encontro definitivo com Deus poderá satisfazer todo anseio humano.

Quando o Adversário sedutor for julgado (Ap 20, 10.15), quando tiver desaparecido o cenário no qual se desenvolveu a tragédia do pecado (20,11), quando já não existir o velho mundo no qual reina a dor e a morte, quando desaparecer tudo que representa o caos ou a esterilidade, então se cumprirá a visão da nova terra e do novo céu. Desaparecerá o mar, isto é, o caos e surgirá uma nova criação. A morada de Deus e a morada do ser humano serão a mesma, o céu e a terra se reconciliarão. Serão cumpridas, por fim, todas as profecias (cf. Is 65,17ss; 66, 22).

Se, em outro tempo, Israel experimentou a presença de Deus no deserto, aquilo foi apenas uma pálida imagem do que agora se anuncia: porque Deus habitará definitivamente entre todos os homens e, todos os povos serão um mesmo povo na presença de Deus (Ap 7,9), porque já não haverá pranto, nem morte, nem dor alguma.

O cristão sempre tem diante de si a utopia do novo céu e da nova terra. Não pode conformar-se com a injustiça, com nenhuma mentira, com qualquer dor gratuita. Buscará sempre o Reino de Deus.

O mundo novo não supõe a destruição apocalíptica deste, mas sim sua transformação progressiva. A vida nova já está enxertada neste mundo. O Reino de Deus já está dentro de nós. Assim como o deserto esconde em si a fertilidade que brota durante a chuva.

A Tenda do deserto foi sinal desta presença salvadora de Deus no meio de seu povo. Jesus Cristo, Palavra de Deus feita carne, é a realização suprema deste divino estar-com-os-homens: “E habitou (literalmente: “fincou sua Tenda”) entre nós” (Jo 1,14). Na Jerusalém do céu tudo está penetrado pelo que a Tenda significava: a perene presença de Deus. A bem-aventurança, dom gratuito de Deus, é a herança dos fiéis; e muito mais, é o cumprimento das promessas messiânicas feitas a Davi e que agora se estendem a todos os que participam da relação amorosa entre o Deus e o Cordeiro imolado/ressuscitado.

É isso que se expressa no pacto novo e definitivo firmado entre Deus e o ser humano. As bodas do Cordeiro são o seu sinal. Todos os povos agora fazem parte do povo de Deus em Jesus Cristo. Quando se efetivar plenamente esse ideal, a cidade será sagrada: não terá templo, porque Deus habitará no meio de seu povo (Ap 21,22).

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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