domingo, 31 de julho de 2011

Santificação das relações de amizade - 1ª parte

A amizade pode ser um meio de santificação, ou um forte obstáculo para a perfeição, segundo sua natureza sobrenatural, ou natural e sensível. Falaremos, pois: 1º das amizades verdadeiras; 2º das falsas; 3º das amizades nas quais se mescla o sobrenatural com o sensível.

1º DAS VERDADEIRAS AMIZADES
Delas falaremos sobre sua natureza e suas vantagens.

595. A) Natureza. a) Por ser a amizade uma mútua comunicação entre duas pessoas, especifica-se de acordo com a diversidade de comunicações e dos bens que se comunicam. São Francisco de Sales explica muito bem [1]: “Quando mais excelentes sejam as que entrem nesta comunicação, mais perfeita será sua amizade Será certamente muito louvável se comunicas acerca das ciências; muito mais se comunicas acerca das virtudes, prudência, temperança, fortaleza e justiça; mas se esta mútua e recíproca comunicação foi sobre a caridade, devoção e perfeição cristã, Ó Bom Deus, que amizade tão preciosa! Será excelente porque vem de Deus, excelente porque vai a Deus, excelente porque seu vínculo é Deus, excelente porque durará para sempre em Deus. Que bom é amar na terra como se ama no céu, e aprender a amar mutuamente neste mundo como amaremos eternamente no outro!”

A amizade verdadeira em geral é, pois, um comércio íntimo entre duas almas para se fazerem bem mutuamente. Pode não passar de simplesmente decente, se os bens que os amigos se comunicam são de ordem natural. Mas a amizade sobrenatural é de uma ordem muito superior. É um comércio íntimo entre duas almas que se amam em Deus e por Deus, com propósito de se ajudarem reciprocamente a tornar mais perfeita a vida divina que possuem. A glória divina é seu fim último, e o adiantamento espiritual seu fim imediato, e Jesus o laço de união entre os dois amigos. A esse respeito, o Beato Etelredo pensava: “Ecce ego et tu et spero quod tertius inter nos Christus sit”, que Lacordaire traduzia desta maneira: “Não posso amar ninguém sem que minha alma se vá para trás do coração e Jesus esteja no meio de nós” [2].

596. b) De esta manera la amistad, lejos de ser apasionada, absorbente y exclusiva como la amistad sensible, se 'distingue por el sosiego, recato y mutua confianza Es un afecto sosegado, moderado, precisamente porque se funda en el amor de Dios, y participa de esta virtud; por esa misma razón es un afecto constante, que crece de continuo, al revés del amor apasionado, que tiende a flaquear. Va junta con un prudente recato: en vez de andar tras de las familiaridades y caricias, está siempre llena de respeto y de recato, porque no desea sino las comunicaciones espirituales. Este recato no estorba para la confianza; porque los amigos de esta clase se estiman bien mutuamente, y no ven en el otro sino un reflejo de las divinas perfecciones; tienen en el amigo muy grande confianza, que siempre es recíproca; lo cual trae consigo íntimas comunicaciones, porque el uno no desea sino comunicar en las dotes sobrenaturales del otro. Comunícanse, pues, los amigos sus pensamientos, propósitos y deseos de la perfección. Y, porque mutuamente quieren hacerse perfectos, no tienen reparo alguno en avisarse las faltas, y en ayudarse recíprocamente a corregirlas. La mutua confianza, que tiene el uno en el otro, impide que la amistad sea inquieta, absorbente y exclusiva; no llevamos a mal que nuestro amigo tenga otros amigos; aun nos gozamos de ello por su bien y por el del prójimo.

597. B) É evidente que uma tal amizade apresenta grandes vantagens. a) A Escritura a louva com freqüência: “O amigo fiel é uma defesa poderosa: quem o encontra, encontrou um tesouro... bálsamo de vida e de imortalidade é um fiel amigo: Amicus fidelis protectio fortis; qui autem invenit illum invenit thesaurum... Amicus fidelis, medicamentum viae et immortalitatis” [3]. Nosso Senhor nos deu o exemplo na amizade que teve com São João: este era conhecido como o discípulo “a quem Jesus amava, quem diligebat Jesus” [4]. São Paulo teve amigos, aos quais queria intensamente, sofre com sua ausência, e não tem mais doce consolo que voltar a estar com eles; assim se mostra desconsolado porque não encontrou Tito quando o esperava, “eo quod non invenerim Titum fratrem meum” [5] regozija-se quando o encontra: “Consolatus est nos Deus in adventu Titi... magis gavisi sumus super gaudio Titi” [6]. Pode-se perceber também o afeto que sentia por Timóteo, e quanto lhe consolava sua presença e lhe ajudava para o bem dos demais; por isso, lhe chama seu coadjutor, seu filho, seu querido filho, seu irmão: “Timotheus adjutor meus... filius meus... Timotheus frater.. Timotheo dilecto filio” [7].

A antiguidade cristã nos oferece também claros exemplos do mesmo gênero: uma das mais célebres amizades foi a de São Basílio e São Gregório Nazianzeno [8].

598. b) Destes exemplos se deduzem três razões que nos demonstram quão proveitosa é a amizade cristã, especialmente para o sacerdote dedicado ao ministério.

1) Um amigo é a defesa da própria virtude, protectio fortis. Temos necessidade de manifesta o mais fundo de nosso coração a um confidente íntimo; às vezes o diretor espiritual supre esta necessidade, mas nem sempre: sua amizade paternal é de outra classe que a amizade fraternal que desejamos. Necessitamos de um igual, com que possamos falar com ampla liberdade. Se não o tivéssemos, correríamos perigo de confiar segredos delicados a pessoas que não merecem nossa confiança, e as confidências que lhes fizermos, muitas vezes causariam problemas a eles e a nós.

2) É também um conselheiro íntimo, a cujo parece submetemos com prazer nossas dúvidas e dificuldades, e que nos ajuda a resolvê-las; um supervisor prudente e carinhoso que, vendo como nos portamos, e sabendo o que as pessoas dizem de nós, nos dirá a verdade, e impedirá que cometamos muitas imprudências.

3) É, por último, um consolador, que escutará com carinho o relato de nossas dores, e encontrará em seu coração as frases adequadas para suavizá-los e confortar-nos.

599. Já foi questionado sobre se convém fomentar essas amizades no seio das comunidades: se poderia temer que fossem um dano para o afeto que deve unir a todos os membros, e que seriam origem de invejas. Claro que se deve velar para que as tais amizades não prejudiquem a união comum, e sejam, não apenas sobrenaturais, mas contidas também dentro dos justos limites indicados pelos superiores. Mas, com estes requisitos, têm também suas vantagens, porque também os religiosos precisam de um conselheiro, de um consolador e de um supervisor que, ao mesmo tempo, seja um amigo. De todas as formas, nas comunidades, mais ainda que em outra parte, se deve fugir com muito cuidado de tudo o que parecer falsa amizade.

---

1.Vida devota, P. IH, c. 19.
2.P. CHOCARNE, Vie de Lacordaire, t. II, c. XV.
3.Eccli, VI, 14-16.
4.S Joan., XIII, 23.
5.II Cor., XII, 13.
6.II Cor., VII, 6, 13.
7.Rom, XVI, 2 1; 1 Cor., IV, 17; II Cor., I, 1; I Tim., 1. 2.
8.S. FR. DE SALES, 1. cit., c. 19, trae otros muchos.


Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Adolph Tanquerey.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A santidade – Papa Bento XVI

“ A santidade, a plenitude da vida cristã não consiste em realizar empreendimentos extraordinários, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, pensamentos e comportamentos ”

Queridos irmãos e irmãs,

Nas Audiências gerais destes últimos dois anos acompanharam-nos as figuras de tantos Santos e Santas: aprendemos a conhecê-los mais de perto e a compreender que toda a história da Igreja está marcada por estes homens e mulheres que com a sua fé, caridade, e com a sua vida foram faróis para tantas gerações, e são-no também para nós. Os Santos manifestam de diversas formas a presença poderosa e transformadora do Ressuscitado; deixaram que Cristo se apoderasse tão plenamente da sua vida que puderam afirmar com são Paulo: «já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20). Seguir o seu exemplo, recorrer à sua intercessão, entrar em comunhão com eles, «une-nos a Cristo, do qual, como da Fonte e da Cabeça, promana toda a graça e toda a vida do próprio Povo de Deus» (Con. Ec. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, 50). No final desta série de catequeses, gostaria então de oferecer alguns pensamentos sobre o que é a santidade.

Que significa ser santos? Quem é chamado a ser santo? Com frequência somos levados a pensar ainda que a santidade é uma meta reservada a poucos eleitos. São Paulo, ao contrário, fala do grande desígnio de Deus e afirma: «N'Ele — Cristo — (Deus) escolheu-nos antes da criação do mundo para sermos santos e imaculados diante d'Ele na caridade» (Ef 1, 4). E fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo. No qual Deus mostra o seu Rosto: o Mistério escondido nos séculos revelou-se em plenitude no Verbo que se fez homem. E Paulo depois diz: «De facto, aprouve a Deus que nele habite toda a plenitude» (Cl 1, 19). Em Cristo o Deus vivente tornou-se próximo, visível, audível, palpável para que todos possam beneficiar da sua plenitude de graça e de verdade (cf. Jo 1, 14-16). Por isso, toda a existência cristã conhece uma única lei suprema, aquela que são Paulo expressa numa fórmula que recorre em todos os seus escritos: em Cristo Jesus. A santidade, a plenitude da vida cristã não consiste em realizar empreendimentos extraordinários, mas em unir-se a Cristo, em viver os seus mistérios, em fazer nossas as suas atitudes, pensamentos e comportamentos. A medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, desde quando, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a sua. 

É ser conformes com Jesus, como afirma são Paulo: «Aqueles que ele conheceu desde sempre, predestinou-os para serem conformes com a imagem do seu Filho» (Rm 8, 29). E santo Agostinho exclama: «Será viva a minha vida toda repleta de Ti» (Confissões, 10, 28). O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Igreja, fala com clareza da chamada universal à santidade, afirmando que ninguém é excluído dela: «Nos vários géneros de vida e nas várias formas profissionais é praticada uma única santidade por todos os que são movidos pelo Espírito de Deus e... seguem Cristo pobre, humilde e carregando a cruz, para merecer ser partícipes da sua glória» (n. 41).

Mas permanece a questão: como podemos percorrer o caminho da santidade, responder a esta chamada? Posso fazê-lo com as minhas forças? A resposta é clara: uma vida santa não é fruto principalmente do nosso esforço, das nossas acções, porque é Deus, o três vezes Santo (cf. Is 6, 3), que nos torna santos, é a acção do Espírito Santo que nos anima a partir de dentro, é a própria vida de Cristo Ressuscitado que nos é comunicada e que nos transforma. Afirmando mais uma vez com o Concílio Vaticano II: «Os seguidores de Cristo, chamados por Deus não segundo as suas obras, mas segundo o desígnio da sua graça e justificados em Jesus Senhor, no baptismo da fé foram feitos verdadeiramente filhos de Deus e co-participantes da natureza divina, e por isso realmente santos. Por conseguinte, eles devem, com a ajuda de Deus, manter na sua vida e aperfeiçoar a santidade que receberam» (ibid., 40).

A santidade tem por conseguinte a sua raiz última na graça baptismal, no sermos enxertados no Mistério pascal de Cristo, com o qual nos é comunicado o seu Espírito, a sua vida de Ressuscitado. São Paulo ressalta de modo muito forte a transformação que a graça baptismal realiza no homem e chega a cunhar uma terminologia nova, forjada com a preposição «com»: co-mortos, co-sepultados, co-vivificados com Cristo; o nosso destino está ligado indissoluvelmente ao seu. «Pelo baptismo — escreve — fomos sepultados com ele na morte para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos... assim também nós possamos caminhar numa vida nova» (Rm 6, 4). Mas Deus respeita sempre a nossa liberdade e pede que aceitemos este dom e vivamos as exigências que ele requer, pede que nos deixemos transformar pela acção do Espírito Santo, conformando a nossa vontade com a vontade de Deus.

Como pode acontecer que o nosso modo de pensar e as nossas acções se tornem pensar e agir com Cristo e de Cristo? Qual é a alma da santidade? De novo o Concílio Vaticano II esclarece; diz-nos que a santidade cristã mais não é do que a caridade plenamente vivida: «"Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4, 16). Ora, Deus difundiu abundantemente o seu amor nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi doado (cf. Rm 5, 5); por isso o primeiro dom e o mais necessário é a caridade, com a qual amamos Deus acima de todas as coisas e ao próximo por amor a Ele. Mas para que a caridade cresça, como uma boa semente, na alma e nela frutifique, cada fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus e, com a ajuda da graça, cumprir com as obras a sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da sagrada liturgia; aplicar-se constantemente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço activo dos irmãos e à prática de todas as virtudes. 

De facto, a caridade, vínculo da perfeição e cumprimento da lei (cf. Cl 3, 14; Rm 13, 10), orienta todos os meios de santificação, dá-lhes forma e condu-los ao seu fim» (Lumen gentium, 42). Talvez também esta linguagem do Concílio Vaticano II para nós ainda seja um pouco solene, talvez tenhamos que dizer as coisas de modo ainda mais simples. O que é essencial? Essencial é nunca deixar passar um domingo sem um encontro com o Cristo Ressuscitado na Eucaristia; isto não é mais um peso, mas é luz para toda a semana. Nunca começar nem terminar um dia sem, pelo menos, um breve contacto com Deus. E, no caminho da nossa vida, seguir as «indicações estradais» que Deus nos comunicou no Decálogo lido com Cristo, que é simplesmente a explicitação do que é a caridade em determinadas situações. 

Parece-me que esta é a verdadeira simplicidade e a grandeza da vida de santidade: o encontro com o Ressuscitado aos domingos; o contacto com Deus no início e no findar do dia; seguir, nas decisões, as «indicações estradais» que Deus comunicou, que são apenas formas de caridade. «Por isso o verdadeiro discípulo de Cristo caracteriza-se pela caridade para com Deus e para com o próximo» (Lumen gentium, 42). Esta é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos.

Eis por que santo Agostinho, comentando o capítulo quarto da Primeira Carta de são João, pode afirmar uma coisa corajosa: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres». E prossegue: «Quando silencias, que seja por amor; quando falas, fala por amor; quando corriges, que seja por amor; quando perdoas, que seja por amor; haja em ti a raiz do amor, porque desta raiz só pode derivar o bem» (7, 8: pl 35). Quem é guiado pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. Assim é válida esta grande palavra: «Dilige et fac quod vis», «Ama e faz o que queres».

Talvez possamos perguntar: podemos nós, com os nossos limites, com a nossa debilidade, tender para tão alto? A Igreja, durante o Ano Litúrgico, convida-nos a fazer memória de uma multidão de Santos, ou seja, daqueles que viveram plenamente a caridade, que souberam amar e seguir Cristo na sua vida quotidiana. Eles dizem-nos que é possível para todos percorrer este caminho. Em todas as épocas da história da Igreja, em qualquer latitude da geografia do mundo, os Santos pertencem a todas as idades e a qualquer estado de vida, são rostos concretos de todos os povos, línguas e nações. E são tipos muito diversos. Na realidade devo dizer que também para a minha fé pessoal muitos santos, não todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história. E gostaria de acrescentar que para mim não só alguns grandes santos que amo e que conheço bem são «indicações estradais», mas precisamente também os santos simples, ou seja as pessoas boas que vejo na minha vida, que nunca serão canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas vejo na sua bondade de todos os dias a verdade da fé. Esta bondade, que maturaram na fé da Igreja, é para mim a apologia do cristianismo mais segura e o sinal de onde se esteja a verdade.

Na comunhão dos Santos, canonizados ou não, que a Igreja vive graças a Cristo em todos os seus membros, nós beneficiamos da sua presença e da sua companhia e cultivamos a firme esperança de poder imitar o seu caminho e partilhar um dia a mesma vida bem-aventurada, a vida eterna.

Queridos amigos, como é grande e bela, e também simples, a vocação cristã vista sob esta luz! Todos somos chamados à santidade: é a própria medida da vida cristã. São Paulo expressa isto mais uma vez com grande intensidade, quando escreve: «Mas, a cada um de nós foi concedida a graça na medida outorgada por Cristo... A uns, Ele constituiu apóstolos, a outros, profetas, a outros, evangelistas, pastores e doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para obra do ministério para a edificação do Corpo de Cristo; até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo» (Ef 4, 7.11-13). 

Gostaria de convidar todos a abrir-se à acção do Espírito Santo, que transforma a nossa vida, para sermos também nós como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, para que o rosto de Cristo resplandeça na plenitude do seu esplendor. Não tenhamos medo de tender para o alto, para as alturas de Deus; não tenhamos medo que Deus nos peça demasiado, mas deixemo-nos guiar em todas as acções quotidianas pela sua Palavra, mesmo se nos sentimos pobres, inadequados, pecadores: será Ele que nos transforma segundo o seu amor. Obrigado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O olhar fixo n’Ele

São Rafael Arnáiz Barón


“Agora compreendo muito bem esse caminho tão estreito que assinala São João da Cruz e que está entre outros dois, nos quais diz: oração, contemplação, consolos espirituais, dons da terra, dons do céu, etc. Pois bem, entre esses dois caminhos está o que eu digo e que somente diz nada... nada... nada...

Que difícil é chegar a isso. E para nós que andamos nos princípios, que fácil é equivocar-se, e quantas vezes queremos encontrar a Deus onde não está. E quando cremos haver lhe encontrado, nos encontramos com nós mesmos... Mas não há que desanimar pois tudo permite Deus para o bem da alma e, sem conhecer o fracasso, não se saboreia o êxito; e antes de aproximar-se de Deus não há mais remédio a não ser despojar-se de tudo e permanecer no nada, como diz São João da Cruz.

Pois bem, nada de novo te digo, e que Deus me perdoe o querer tratar coisas tão altas quando ainda, sem saber engatinhar, já quero voar... Esse tem sido meu pecado e continua sendo... Que importa se estamos acima ou abaixo, perto ou longe de Deus? Dirijamos a Ele nossos olhares e unamo-nos para louvar-lhe, uns na vida monástica, outros nas missões, outros no mundo, uns de uma maneira e outros de outra. Que importa? É Ele que plenifica tudo e se nos olhamos uns aos outros perdemos tempo... Muito formosa é às vezes a criatura mas sua visão nos distrai do Criador.

Devemos seguir com o olhar fixo n’Ele, quer estejamos entre santos quer entre pecadores... Nós não somos nada; nada valemos nem para nada servimos quando estamos distraídos e não fazemos caso do Senhor. Não percamos, então, tempo, e se com um pequeno sacrifício, com uma oração ou com um ato de amor, agradamos ao Senhor, então que possamos dizer que pelo menos temos servido para algo, que é para dar a Ele maior glória. Essa deve ser nossa única ocupação e nosso único desejo”.


São Rafael Arnáiz Barón
Carta de 23 de julho de 1934 a sua tia, Duquesa de Maqueda
Obras Completas, pp.223-238

No coração da Igreja,minha Mãe,serei tudo,serei o amor...




Meus imensos desejos me eram um autêntico martírio. Fui, então, às cartas de São Paulo a ver se encontrava uma resposta. Meus olhos caíram por acaso nos capítulos doze e treze da Primeira Carta aos Coríntios. No primeiro destes, li que todos não podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, e que a Igreja consta de vários membros; os olhos não podem ser mãos ao mesmo tempo. Resposta clara, sem dúvida, mas não capaz de satisfazer meu desejo e dar-me a paz.


Perseverei na leitura sem desanimar e encontrei esta frase sublime: Aspirai aos melhores carismas. E vos indico um caminho ainda mais excelente (1Cor 12,31). O Apóstolo esclarece que os melhores carismas nada são sem a caridade, e esta caridade é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus. Achara enfim o repouso.

Ao considerar o Corpo místico da Igreja, não me encontrara em nenhum dos membros enumerados por São Paulo, mas, ao contrário, desejava ver-me em todos eles. A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno.

Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará.

por
Da autobiografia de Santa Terezinha

Retiro Vocacional/Aspirantado

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Viver a Santidade em tempos de pós-modernidade

A palavra consagração vem da língua latina: a preposição cum =com” e o adjetivo sacro =sagrado”. A consagração, literalmente seria, portanto, aquilo que torna sagrado. Pode significar algo ou alguém que é santo/ separado. O conceito que se tem de consagração, em especial na linguagem do Antigo Testamento, é familiar ao termo kadosh (santo), ou seja, na linguagem bíblica, para se referir ao sagrado usa-se a palavra ‘santo’, portanto, vale dizer que uma coisa sagrada é uma coisa santa (perfeita). “Não podereis servir a Javé, porque é Deus santo, é Deus ciumento, que não perdoará vossas rebeldias nem vossos pecados!” (Js 24,19). Aqui fala-se num contexto de Aliança, onde os ciúmes de Deus são a forma de ele expressar sua santidade, ele não tolera a competição nem a concorrência na entrega do amor leal, exige serviço exclusivo e total; ao não responder o povo assim, seu ciúme se inflamará e “acabará convosco depois de ter-vos feito tanto bem” (v. 20). “Agora, porém, se deveras escutais minha voz e guardais minha aliança, vós sereis MINHA PROPRIEDADE PESSOAL entre todos os povos, porque é minha toda a terra, sereis para mim um reino de SACERDOTES e uma NAÇÃO SANTA” (Ex 19,6). Existe uma relação muito íntima entre DEUS e seu POVO, daí podemos entender a ideia de pertença e consagração. Deus mostra sua soberania, dá a liberdade a esse povo e exige deste o comportamento ético, condição irrenunciável para ser sempre um povo santo, daí nasce o decálogo (dez mandamentos): para uma necessidade de testemunho público. O nome de Deus é santo, o seu santuário é santo, a cidade é santa (por isso é chamada Terra Santa), o culto, que deveria ser acompanhado de rituais de purificação, o seu ESPÍRITO SANTO, Jesus mesmo é chamado de O Santo de Deus… A sua Lei é uma lei de santidade (Lv 17-26). Deus pede isso do homem: “Sede santos, porque eu, Javé, sou santo” (Lv 19,2) e ainda: “Vós, porém, vos santificareis e sereis santos, pois eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 20,7). A Lei de Santidade contempla, sem dúvida, uma relação muito estreita entre a santidade de Deus e a santidade do povo.
 


Para nós cristãos, ver a consagração no NT é chegar a uma denominação fundamental, pois ele concretiza as conseqüências imediatas entre Deus, o Espírito Santo e a sua Igreja. Nele, as realidades e mediações sacras mais importantes são transformadas pela vinda de Jesus, por exemplo: a lei, o templo, a morte (sua morte), o tempo, a palavra e os alimentos. Jesus é o cumprimento total das Escrituras e a radicalização, a maneira de superação de todos os dados revelados graças a sua “perfeição”. De agora em diante só existe uma realidade sagrada que é o CORPO DE JESUS CRISTO: “À Palavra se fez carne, e pôs sua morada entre nós, e vimos sua glória, glória que recebe do Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Com esta audaciosa afirmação, a Igreja crê, uma vez por todas que o Corpo de Jesus Cristo é o único lugar em que se encontra Deus: “Nele reside toda plenitude da divindade corporalmente” (Cl 2,9), e os cristãos compartilham essa plenitude. JESUS É O SANTO, hosios no grego. A Igreja se dirige a Deus chamando Jesus “teu Santo” = hagion, “servo-filho-servidor” (At 4,27-30), o “Santo de Deus ” (Mc 1,24; Jo 6,69). “Assim é o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, incontaminado, apartado dos pecadores, elevado acima dos céus” (Hb 7,26).
Na Bíblia, tudo se torna sacro ou consagrado quando recebe o toque do Espírito, por esse “toque”, tudo é transformado.

O HOJE DE DEUS E O NOSSO HOJE
A Modernidade foi um movimento que surgiu mais ou menos no século XII. Ela está muito ligada ao surgimento das universidades e ao espírito crítico-científico desenvolvido pelas mesmas universidades. Daqui nasce o fenômeno da secularização. A religião não perde seu lugar, porém se torna intimista, “subordinada” aos critérios da política e da sociedade. Desenvolveu-se uma visão puramente humana e científica das coisas: o que antes era algo positivo, passa a ser um problema. Deus aqui não é esquecido, porém se dá pouco importância ao que é sagrado, o que é pior que o ateísmo (indiferença religiosa). Com a religiosidade diversificada, a busca pelas seitas e religiões orientais é concretizada pelo simples fato de que suas filosofias não exigem compromissos mais rigorosos, especialmente no lado moral. É dessa ideia que surge o que conhecemos por NOVA ERA, que busca formar uma super-religião, eliminando todas, inclusive o cristianismo. O êxodo rural, o esfacelamento da família, que dificulta a catequese cristã e a marginalização afastam as pessoas da comunidade cristã.
Nossa Constituição traz logo em seu terceiro parágrafo, onde nosso fundador define o Instituto, o contexto histórico-cultural de nosso tempo, situando as duas guerras mundiais, fomentadas por povos que se denominam ‘cristãos’. A Igreja da América Latina questionou a evangelização de cunho europeu e reivindicou uma evangelização concreta e específica para nossa realidade.
§4. “Desse desafio nasceu a Nova Jerusalém!”
§5. “Se bem que tem raízes cistercienses (beneditinas), A NOVA JERUSALÉM QUER SER UM INSTITUTO NOVO, PARA RESPONDER ÀS NECESSIDADES NOVAS NUM CONTINENTE NOVO”.
Na solenidade de Todos os Santos de 2006, o Santo Padre Bento XVI deixou-nos uma mensagem que poderá ajudar a compreender melhor a vocação à santidade em nossos dias. Inicia com o pensamento de São Bernardo: “Os nossos santos não precisam das nossas honras e nada recebem do nosso culto”. E continua:
Para ser santo não é preciso realizar obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais, basta simplesmente ‘servir’ Jesus, escutá-lo, segui-lo sem esmorecer perante as dificuldades (…) O exemplo dos santos é, para nós, um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria de quem confia em Deus, porque a única e verdadeira causa de tristeza e de infelicidade – para o homem – é viver longe d’Ele. (…) A santidade exige um esforço constante, mas é possível a todos porque, mais do que obra do homem, é sobretudo dom de Deus, três vezes Santo (…) Quanto mais imitamos Jesus e lhe permanecemos unidos, tanto mais entramos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito e isto nos leva… a amar os irmãos. (…) Tudo passa, só Deus não muda. Diz um Salmo: ‘Desfalecem a minha carne e o meu coração; mas a rocha do meu coração é Deus, é Deus a minha sorte para sempre’. Todos os cristãos, chamados à santidade, são homens e mulheres que vivem profundamente ancorados nesta Rocha; têm os pés assentes na terra, mas o coração está já no Céu, morada definitiva dos amigos de Deus”.

* Religioso do Instituto Religioso Nova Jerusalém.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______________________________________________________________________________________
CONSTITUIÇÃO: Instituto Religioso Nova Jerusalém, 2ª Ed. Fortaleza, 2002.
DICIONÁRIO TEOLÓGICO DA VIDA CONSAGRADA. São Paulo: Paulus, 1994.
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Viver os votos em tempos de pós-modernidade. São Paulo: Loyola, 2001.
PEREGO, Giacomo. Novo Testamento e vida consagrada. São Paulo: Paulus, 2010.
<http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=38668> Acesso em 30/06/2011. 


Extraído: Vocacional Nova Jerusalém

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Espírito Santo e Maria

Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

“Concebido pelo Espírito Santo e nascido da Virgem Maria” é uma das afirmações da profissão de fé cristã quando trata sobre a Encarnação.

Quando estávamos em preparação para o Jubileu da Encarnação, na expectativa do ano 2000, tivemos um ano dedicado a uma catequese sobre o Espírito Santo em 1998.

O enfoque da celebração do terceiro milênio foi o da concepção e nascimento de Jesus Cristo tornada possível pelo poder do Espírito Santo e pela cooperação da Virgem Maria. A concentração numa “reciclagem” catequética sobre o Espírito Santo deveria constituir também uma devoção mariana mais sólida, mais vinculada ao seu papel em relação a Jesus e em relação ao Espírito Santo.

O Espírito Santo é o guardião da esperança no coração humano, por isso houve uma especial atenção à virtude teologal da esperança em 1998. Nas Escrituras, Maria é a mulher dócil à voz do Espírito, a mulher que esperou contra toda esperança. Em Maria, a Igreja vê “um sinal da esperança segura” (LG 68), ela foi “plasmada pelo Espírito Santo e formada nova criatura” (LG 56). Enfim, a Igreja deve ser aquilo que Maria é. E enquanto peregrina neste mundo a Igreja tem Maria como um sinal “até que chegue o Dia do Senhor” (LG 68).

Há dois textos nas Sagradas Escrituras que tratam diretamente sobre o Espírito Santo e Maria:

a) Mt 1,18-20
As circunstâncias do nascimento de Jesus é uma ação do Espírito Santo sobre Maria (v.18), “o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (v.20). Há um testemunho do narrador (v.18) e um testemunho do céu (v.20) de que Maria está sob a ação do Espírito Santo para que Jesus venha a nascer. A justiça de José ou a inocência de Maria são aspectos secundários. O mais importante é a docilidade de ambos à ação do Espírito Santo. No caso de Maria há uma colaboração, ela corre risco de ser morta. O casal é um testemunho para a Igreja: deixar-se guiar e colaborar, mesmo que isso exija a morte ou a mudança de mente (conversão).

b) Lc 1,35
Primeiramente, menciona-se a descida do Espírito Santo sobre Maria. Isso nos remete a Ex 3,8 quando se afirma que Deus desceu para livrar o seu povo do faraó e para fazê-lo subir à terra prometida. Depois é dito que “o poder do Altíssimo” cobrirá Maria. Isso está vinculado com a criação, quando o Espírito pairava sobre as águas (Gn 1,2). O Espírito cobrirá Maria com sua sombra, isto nos remete à nuvem (shekiná) no deserto cobrindo a Tenda do Encontro (Nm 9,15).

No evento de Pentecostes o Espírito Santo permanece Deus misterioso ou escondido (Is 45,15) e assim ele permanecerá ao longo de toda a história da Igreja e do mundo. Pode-se dizer que ele está escondido na sombra de Cristo. Ele é o Deus escondido que trabalha em silêncio e no interior. A narrativa sobre o Pentecostes em At 2,1-13 indica que quando se trata do Espírito Santo há somente a observação dos efeitos de sua presença e de sua ação em nós e no mundo. O mesmo efeito pode causar estupefação em uns (2,12) e zombaria em outros (2,13).

Na tradição religiosa de Israel, o Pentecostes era originalmente a festa dos primeiros frutos da colheita (Ex 34,22). O Antigo Testamento dá instruções detalhadas para a celebração do Pentecostes (Lv 23,15; Nm 28,26-31), que mais tarde tornou-se também a festa da renovação da aliança (2 Cr 15,10-3). A narrativa sobre Pentecostes em At 2,1-13 está vinculada ao relato sobre a comunidade dos reunida no Cenáculo onde todos unânimes “perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (At 1, 14). Uma leitura cuidadosa de Atos nos diz que havia homens e mulheres, e o momento do Pentecostes representado apenas pelos doze ou pelos doze e Maria omite um importante ensinamento sobre a manifestação do Espírito na Igreja. Isso significa que, no Novo Testamento, a festa da colheita torna-se a festa da “nova colheita” do Espírito Santo, o fruto da semente lançada por Cristo.

O texto da anunciação tem uma correlação com o texto sobre o Cenáculo e Pentecostes. Na anunciação Deus dá o seu Espírito a Maria a qual não é apenas a imagem (Abbild = reflexo) mas também a imagem típica (Urbild=protótipo) da Igreja. Em Pentecostes acontece com a Igreja o que aconteceu com Maria na anunciação e por isso a Igreja torna-se fecunda, gera o Cristo para as nações através do anúncio do evangelho em todos os idiomas.

Em 1974 o Papa Paulo VI escreveu um documento (Marialis Cultus (MC)) sobre a devoção a Maria, que continua a ser a norma para a devoção mariana entre os católicos. Depois de normatizar a devoção mariana em função de Cristo, o Papa destaca em dois números (MC 26 e 27) relaciona a mesma devoção em relação ao Espírito Santo. Isso significa primeiramente que não pode haver culto a Maria em si mesma.

No número 26 o Papa começa afirmando que “a intervenção santificadora do Espírito no caso da Virgem de Nazaré foi um momento culminante da sua ação na história de Salvação”. E, em seguida, lembra que Maria “se torna habitação permanente do mesmo Espírito”. Isto é, em Maria se diz o mesmo que se dizia para a arca da aliança [1].




“O mesmo verbo exprime a posição da nuvem sobre o tabernáculo e a do Altíssimo sobre Maria”. O tabernáculo fica cheio da glória, Maria fica cheia da presença do Filho de Deus.




_________
[1] MARTINS TERRA, João Evangelista. Releitura Judaica e cristã da Bíblia, São Paulo: Loyola, 1988, p. 24-25.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

Beato Pier Giorgio Frassati


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Retiro



Estaremos neste final de semana entrando de retiro.Pedimos a todos os leitores do blog e amigos que intercedam por nós,para que nosso coração esteja atento aos sinais de Deus.