terça-feira, 5 de julho de 2011

O Espírito Santo e Maria

Aíla L. Pinheiro de Andrade,nj*

“Concebido pelo Espírito Santo e nascido da Virgem Maria” é uma das afirmações da profissão de fé cristã quando trata sobre a Encarnação.

Quando estávamos em preparação para o Jubileu da Encarnação, na expectativa do ano 2000, tivemos um ano dedicado a uma catequese sobre o Espírito Santo em 1998.

O enfoque da celebração do terceiro milênio foi o da concepção e nascimento de Jesus Cristo tornada possível pelo poder do Espírito Santo e pela cooperação da Virgem Maria. A concentração numa “reciclagem” catequética sobre o Espírito Santo deveria constituir também uma devoção mariana mais sólida, mais vinculada ao seu papel em relação a Jesus e em relação ao Espírito Santo.

O Espírito Santo é o guardião da esperança no coração humano, por isso houve uma especial atenção à virtude teologal da esperança em 1998. Nas Escrituras, Maria é a mulher dócil à voz do Espírito, a mulher que esperou contra toda esperança. Em Maria, a Igreja vê “um sinal da esperança segura” (LG 68), ela foi “plasmada pelo Espírito Santo e formada nova criatura” (LG 56). Enfim, a Igreja deve ser aquilo que Maria é. E enquanto peregrina neste mundo a Igreja tem Maria como um sinal “até que chegue o Dia do Senhor” (LG 68).

Há dois textos nas Sagradas Escrituras que tratam diretamente sobre o Espírito Santo e Maria:

a) Mt 1,18-20
As circunstâncias do nascimento de Jesus é uma ação do Espírito Santo sobre Maria (v.18), “o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (v.20). Há um testemunho do narrador (v.18) e um testemunho do céu (v.20) de que Maria está sob a ação do Espírito Santo para que Jesus venha a nascer. A justiça de José ou a inocência de Maria são aspectos secundários. O mais importante é a docilidade de ambos à ação do Espírito Santo. No caso de Maria há uma colaboração, ela corre risco de ser morta. O casal é um testemunho para a Igreja: deixar-se guiar e colaborar, mesmo que isso exija a morte ou a mudança de mente (conversão).

b) Lc 1,35
Primeiramente, menciona-se a descida do Espírito Santo sobre Maria. Isso nos remete a Ex 3,8 quando se afirma que Deus desceu para livrar o seu povo do faraó e para fazê-lo subir à terra prometida. Depois é dito que “o poder do Altíssimo” cobrirá Maria. Isso está vinculado com a criação, quando o Espírito pairava sobre as águas (Gn 1,2). O Espírito cobrirá Maria com sua sombra, isto nos remete à nuvem (shekiná) no deserto cobrindo a Tenda do Encontro (Nm 9,15).

No evento de Pentecostes o Espírito Santo permanece Deus misterioso ou escondido (Is 45,15) e assim ele permanecerá ao longo de toda a história da Igreja e do mundo. Pode-se dizer que ele está escondido na sombra de Cristo. Ele é o Deus escondido que trabalha em silêncio e no interior. A narrativa sobre o Pentecostes em At 2,1-13 indica que quando se trata do Espírito Santo há somente a observação dos efeitos de sua presença e de sua ação em nós e no mundo. O mesmo efeito pode causar estupefação em uns (2,12) e zombaria em outros (2,13).

Na tradição religiosa de Israel, o Pentecostes era originalmente a festa dos primeiros frutos da colheita (Ex 34,22). O Antigo Testamento dá instruções detalhadas para a celebração do Pentecostes (Lv 23,15; Nm 28,26-31), que mais tarde tornou-se também a festa da renovação da aliança (2 Cr 15,10-3). A narrativa sobre Pentecostes em At 2,1-13 está vinculada ao relato sobre a comunidade dos reunida no Cenáculo onde todos unânimes “perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (At 1, 14). Uma leitura cuidadosa de Atos nos diz que havia homens e mulheres, e o momento do Pentecostes representado apenas pelos doze ou pelos doze e Maria omite um importante ensinamento sobre a manifestação do Espírito na Igreja. Isso significa que, no Novo Testamento, a festa da colheita torna-se a festa da “nova colheita” do Espírito Santo, o fruto da semente lançada por Cristo.

O texto da anunciação tem uma correlação com o texto sobre o Cenáculo e Pentecostes. Na anunciação Deus dá o seu Espírito a Maria a qual não é apenas a imagem (Abbild = reflexo) mas também a imagem típica (Urbild=protótipo) da Igreja. Em Pentecostes acontece com a Igreja o que aconteceu com Maria na anunciação e por isso a Igreja torna-se fecunda, gera o Cristo para as nações através do anúncio do evangelho em todos os idiomas.

Em 1974 o Papa Paulo VI escreveu um documento (Marialis Cultus (MC)) sobre a devoção a Maria, que continua a ser a norma para a devoção mariana entre os católicos. Depois de normatizar a devoção mariana em função de Cristo, o Papa destaca em dois números (MC 26 e 27) relaciona a mesma devoção em relação ao Espírito Santo. Isso significa primeiramente que não pode haver culto a Maria em si mesma.

No número 26 o Papa começa afirmando que “a intervenção santificadora do Espírito no caso da Virgem de Nazaré foi um momento culminante da sua ação na história de Salvação”. E, em seguida, lembra que Maria “se torna habitação permanente do mesmo Espírito”. Isto é, em Maria se diz o mesmo que se dizia para a arca da aliança [1].




“O mesmo verbo exprime a posição da nuvem sobre o tabernáculo e a do Altíssimo sobre Maria”. O tabernáculo fica cheio da glória, Maria fica cheia da presença do Filho de Deus.




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[1] MARTINS TERRA, João Evangelista. Releitura Judaica e cristã da Bíblia, São Paulo: Loyola, 1988, p. 24-25.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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